País

Exclusivo Online

Trabalhar no escuro, brilhar na vida: a integração de pessoas com deficiência visual no mercado laboral

A cegueira tem peso na hora de procurar trabalho. E não pelos melhores motivos: o estigma e o desconhecimento sobre a deficiência fecham muitas portas a quem quer uma oportunidade para integrar o mercado de trabalho e ser autónomo. Qual será o futuro de um jovem estudante cego quando terminar o curso? Dos que fizeram da resiliência o lema de vida e que conseguiram vencer no mundo do trabalho, aos casos de quem luta diariamente por uma oportunidade de voltar a mostrar as suas capacidades.

Tomás Delfim trabalha num portátil. Tem a bengala em cima da mesa.
Tomás Delfim trabalha num portátil. Tem a bengala em cima da mesa.
Filipa Traqueia

Esta reportagem foi adaptada para ser lida pelos softwares leitores de ecrã.

Entrar no mundo do trabalho é um objetivo per se. É um passo da vida que está associado à independência e à autonomia, mas o caminho até ao emprego de sonho nem sempre é fácil. O desemprego assombra os sonhos de quem acaba os estudos. Tomás Delfim tem 19 anos e está no segundo ano do curso de Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), em Lisboa. Deseja fazer rádio ou jornalismo de investigação, mas está certo que a sua integração no mundo do trabalho vai ser mais difícil do que o normal. Por uma razão: é cego.

“Tendo em conta a realidade do país e a minha, tenho um bocado de receio de como será. Olhando para a minha deficiência e para as deficiências no geral, acaba por haver um estigma por parte dos empregadores. Acho que isso acaba sempre por atrapalhar na hora de me chamarem para alguma vaga.”

Loading...

Nas mesas de estudo colocadas nos corredores da ESCS, Tomás alterna o sonho com a realidade. O jornalismo chegou à sua vida “muito repentinamente”, depois de ter ponderado uma carreira como psicólogo. A paixão é traduzida no som das letras que o tablet de Tomás vai emitindo, como se estivesse a ditar o texto do novo artigo que está a fazer para a revista estudantil ESCS Magazine, ou o guião do novo episódio do seu podcast “Ponto de Vista”.

Ao lado estão a bengala e a mochila. O símbolo do Sporting denuncia o gosto de Tomás pelo desporto, conta que joga golbol, desde os sete anos, na equipa de Alvalade e que integra também a seleção nacional. Talvez, no futuro, o jovem venha a ter a oportunidade de singrar nos meios de comunicação social e de ter uma rubrica semanal de rádio, como José Carlos Costa. Aos 65 anos é comentador desportivo na rádio Granada.FM e correspondente do jornal espanhol “Mundo Deportivo”. Cego de nascença, habituou-se a transformar os sons das várias modalidades em imagens e soma já 40 anos de carreira ligados à informação desportiva. Lembra que já fez muita coisa, incluindo comentário em jogos ao vivo.

Nos últimos 18 anos, os domingos são especiais: a sala de estar da sua casa transforma-se numa autêntica redação, com o rádio a relatar, em espanhol, o jogo entre o Real Sociedad e o Valência e o som metálico da pauta de braille a acompanhar o cravar nas folhas de todas as informações que compõem o seu programa de 20 minutos. Em cima da mesa estão vários telemóveis e um gravador. Um deles toca: é um amigo que tem mais resultados desportivos para lhe dizer.

“É um trabalho exaustivo que requer muita força de vontade e muita alegria”, partilha com um sorriso.

Loading...

Durante a semana, José Carlos é telefonista de profissão e vai todos os dias do Ribatejo para a sede do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, em Lisboa. São já 46 os anos de serviço e começa a contar os meses para a reforma. Mas não do desporto, porque tem uma “dívida” para pagar. Foi esta atividade que lhe deu razões para ultrapassar as adversidades, nomeadamente os mais de dois anos em que esteve sem trabalho, à espera de colocação, e o atropelamento de que foi vítima.

“Em 1984, o serviço de Estudos do Ambiente foi extinto e eu fui mandado para casa à espera de colocação durante dois anos e meio. Foi a minha atividade desportiva que me salvou, que me fez não entrar em depressão”, conta, lembrando que se sentia como “um parasita da sociedade”.

Filipa Traqueia

Na sua mesa de escritório improvisado, no canto da sala, o comentador desportivo vai apontando, à mão, os resultados das várias modalidades: futebol (nacional e das ligas espanhola, francesa, italiana, alemã e inglesa), futsal, voleibol, andebol, basquetebol e hóquei em patins. Da direita para a esquerda, vai pontuando as sucessivas páginas com informação invisível aos olhos e interpretada pela ponta dos dedos. “Sinto que estou a fazer um serviço de utilidade pública”, diz, enquanto aponta mais um resultado nas folhas reutilizadas que usa para escrever o guião do programa. Escreve tudo à mão porque tem medo de perder a informação.

Às 21:00 o telefone volta a tocar: é hora de ir para o ar. No saco de plástico as folhas escritas estão já alinhadas e chega a hora de começar.

“Olá, muito boa noite Carlos Costa. Boa noite a todos os ouvintes da Granada.FM. Saudações desportivas para todos. Vamos então iniciar o nosso périplo pelo futebol distrital, começando com a Associação de Futebol do Algarve, que teve a sua sexta jornada.”

Filipa Traqueia

Mas no futuro do jovem Tomás poderá também estar um lado mais negro que atinge uma grande parte da população com deficiência visual: não conseguir trabalho. Hugo Manuel, de 43 anos, conhece bem essa realidade. Seguiu um percurso académico “igual ao de muitas pessoas” da sua geração, como faz questão de reforçar. Estudou jornalismo na ESCS e teve “o privilégio de ainda exercer durante algum tempo essa profissão”.

“É uma profissão que está um bocadinho vedada – como muitas outras neste país – a quem não vê e tive de arrepiar caminho por outras áreas.”

Criou uma empresa, que fechou devido à crise do subprime. Trabalhou na área comercial, mas, “depois de passar algum tempo por aquele trabalho fantástico que é o desemprego”, decidiu arregaçar as mangas e fazer um curso de massagista na Associação Promotora de Emprego de Deficientes Visuais (APEDV), em Lisboa. E o arregaçar das mangas foi literal, porque para fazer as massagens não pode ter nada nas mãos, nem mesmo a aliança. Depois do estágio e de ter visto o contrato de trabalho terminar, está de volta à APEDV à procura de mais uma oportunidade.

“Não sei se existe estigma. Eu acho que essencialmente existe muito não saber como: não saber como integrar, como lidar, como agir, como adaptar o posto de trabalho, não saber uma série de coisas.”

Loading...

Hugo reconhece que a falta de oportunidades no mercado do trabalho atinge muitas pessoas, mas lembra que “as pessoas cegas, infelizmente, são muitas vezes desvalorizadas e desconsideradas naquilo que podem e sabem fazer”.

A taxa de desemprego em Portugal atinge 6,1% da população, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), referentes ao terceiro trimestre de 2021. Entre as pessoas com deficiência visual, o valor será cerca de dez vezes superior, segundo um estudo realizado pela Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) em 2012. A pandemia veio tornar o problema maior.

O “não” do desconhecimento e do estigma

Façamos um exercício: pense no seu trabalho e nas tarefas que executa diariamente. Acha que uma pessoa com deficiência visual conseguiria desempenhar essas funções? A primeira resposta a esta pergunta costuma ser “não”. A falta de conhecimento sobre os métodos de adaptação de postos de trabalho e a autonomia que uma pessoa cega tem no local de trabalho são um dos principais entraves à contratação. Este “não” é também a resposta que muitos cegos ouvem quando tentam procurar emprego.

“Quando enviava currículos era fantástico, geralmente era chamado para ir às entrevistas. Depois, quando chegava aos locais… Chegou a acontecer dizerem: ‘não, deve ser engano. Não tínhamos nenhuma entrevista marcada.’ Noutros casos diziam ‘o seu currículo é fantástico, mas, como não vê, não podemos dar-lhe esta vaga, como deve compreender’. Arranjavam uma série de barreiras para vedar o acesso ao mercado de trabalho”, conta Hugo.

A experiência é transversal: em alguma fase da vida, todas as pessoas com deficiência visual se confrontaram com este “não” que vai matando o sonho de uma carreira profissional. A partilha dos bons exemplos tem, para Graça Hidalgo, coordenadora pedagógica da APEDV, poder para mudar mentalidades. E lembra uma história que se passou quando estava a fazer telefonemas para encontrar um estágio para um formando do curso de massagista técnico auxiliar de fisioterapia. Após várias chamadas para clínicas, a responsável recebeu uma resposta que a marcou:

“Cego? Massagista? Só se for para ligar e desligar equipamentos”, disse a voz do outro lado do telefone.

“Pode fazer um bocadinho mais e eu garanto-lhe que, se quiser aceitar o desafio, vai ficar surpreendida”, respondeu Graça Hidalgo.

A coordenadora não se deixou ficar pela resposta inicial e conseguiu convencer a empresa a acolher o jovem durante o estágio. “Fez [o trabalho] de tal modo bem ou mal que havia doentes que só queriam o Leandro. Depois do estágio, ele foi contratado e penso que hoje ainda lá trabalha”, conta com orgulho.

Loading...

Também Rodrigo Santos, presidente da ACAPO, defende que os casos de sucesso são o caminho para superar preconceitos que existem em diversas profissões. E realça que a inclusão de uma pessoa com deficiência visual num contexto empresarial “acaba por proporcionar uma mudança bastante positiva de mentalidade, transversal a toda a organização”.

Um estudo realizado pela associação há vários anos indicava que havia duas profissões primordiais entre as pessoas com deficiência visual: ou eram professores (se tivessem qualificações académicas de nível superior) ou eram telefonistas. Mas, atualmente, as novas tecnologias tornaram mais fácil a adaptação dos postos de trabalho e abriu-se um novo leque de possibilidades.

“A primeira barreira é sempre pensar que a pessoa, porque não vê, não consegue fazer determinadas coisas ou precisa de uma adaptação qualquer do posto de trabalho. E que essa adaptação não é razoável”, explica o presidente da ACAPO. “É preciso não encararmos as pessoas com deficiência como pessoas com uma limitação, mas percebermos que essa limitação só decorre porque o contexto onde estão não é inclusivo.”

Formações profissionais como uma porta para o mundo do trabalho

A ACAPO e a APEDV são duas das três associações em Lisboa que oferecem formações profissionais direcionadas a pessoas com deficiência visual em situação de desemprego. A ACAPO tem cursos nas áreas de atendimento ao público, secretariado e de trabalho administrativo, enquanto a APEDV disponibiliza formações de tecnologias da informação e comunicação, massagista técnico auxiliar de fisioterapia e artesanato. Mas nem sempre estes cursos abrem a porta para um posto de trabalho.

Isabel Veras, de 54 anos, já conhece bem as formações profissionais que estão disponíveis, já frequentou umas quantas. Nasceu com baixa visão e ficou cega depois de ter sido atropelada quando ia a caminho do trabalho. Na altura era embaladora numa empresa de plásticos, na zona centro, onde trabalhou durante nove anos.

Loading...

Quando deixou o trabalho, ficou reformada da área das embalagens, uma situação que só descobriu quando tentava candidatar-se a um novo trabalho no mesmo setor. Depois disso, foi administrativa numa instituição de desenvolvimento e formação profissional, em Miranda do Corvo, onde era residente.

O sonho de poder ser independente e ter uma casa própria levou-a a deixar a instituição em 2008. Conseguiu cumpri-lo, mas, desde então, luta por voltar a ter um trabalho. Já perdeu a conta às formações e estágios que fez. Recorda alguns com carinho, mas mesmo fazendo um bom trabalho, no final, volta tudo ao início.

“Eu não quero mais formações, eu estou cansada das formações. Estou mesmo cansada. Porque nós criamos muitas expectativas e depois não se vê nada. Chegamos ao fim e é um estágio que acabou, pronto”, lamenta .

Tem procurado trabalho em várias áreas. Conta com a ajuda de Daniela Proença, assistente pessoal do Centro de Apoio à Vida Independente, que acompanha Isabel aos sítios onde vai deixar o currículo. Prefere entregar presencialmente, porque diz que as tecnologias não são fáceis de usar. A música dos vários rádios que tem espalhados pela casa acompanha esta busca por um emprego.

Filipa Traqueia

As formações que existem atualmente têm uma componente teórica e um estágio, que pretende tornar mais fácil a integração dos formandos no mercado do trabalho. São financiados pelo IEFP e incluem uma bolsa no valor de 168 euros, à qual acrescem os subsídios de transporte e de alimentação e o seguro de acidentes pessoais.

No entanto, Vítor Graça, presidente da Associação Promotora do Ensino de Cegos (APEC) – uma das primeiras escolas destinadas a pessoas com deficiência visual no país –, considera que os moldes em que se fazem as formações não responde à procura do mercado de trabalho.

“O mundo do trabalho está mais exigente, há mais competição. E, infelizmente, a maior parte das pessoas com deficiência visual não está devidamente preparada para várias áreas. Se não está preparada, não podemos pedir aos empresários que, só por ser deficiente, o coloque naquele posto de trabalho”, afirma. “De todas as formações, se calhar a única em que é ainda possível empregar algumas pessoas é a de massagista. Todas as outras têm pouca.”

A associação, que em tempos se destinava a ensinar as crianças com deficiência visual a ler e escrever, oferece agora formações “à medida”, com base nas necessidades do trabalhador.

“Nós entendemos que a formação deveria ser ao contrário, ou seja, quem devia ditar as regras do mercado não são as associações, mas sim as empresas”, acrescenta Vítor Graça, sublinhando que é também necessário tornar as formações mais inclusivas para pessoas com deficiência visual.

Filipa Traqueia

Segundo dados disponibilizados pela ACAPO, dos 750 apoios prestados ao emprego nos últimos cinco anos, foram conseguidas 80 integrações profissionais. A maioria aconteceu no âmbito de medidas de apoio ao emprego. Apenas 28 foram contratos de trabalho.

Na APEDV, os números não são o mais importante: “Basta conseguirmos mudar a vida de uma pessoa para a taxa de sucesso já ser boa”, afirma Graça Hidalgo. A coordenadora pedagógica da associação sublinha que a formação profissional para pessoas com deficiência visual “não pode ser medida só em resultados”.

“Há pessoa que têm muitas limitações e nós temos consciência que jamais vão conseguir um trabalho em que alguém os aceite e ainda lhes pague um salário. Mas essas pessoas também precisam de viver, também precisam de conviver, também precisam de aprender coisas novas. Também temos esse lado da história, não podem ser só números”, explica.

Um percurso desmotivante e a importância da resiliência

A desmotivação começa a notar-se no discurso de Isabel que só pede uma oportunidade para provar que é capaz. Mesmo assim, não desiste do seu sonho de poder ser novamente telefonista ou rececionista numa empresa. Também Hugo sublinha que vai “continuar a lutar” por um trabalho, mesmo tendo colocado de lado a possibilidade de voltar aos media, a área que estudou. O percurso pode ser longo e durar vários anos. A resiliência é o principal aliado de quem só quer ser útil.

António Pinão é psicólogo na APEDV, desde 1988, e reconhece que existe “uma desmotivação muito grande em relação à procura de formação com interesse em que se traduza num posto de trabalho”. Considera que há pessoas que se acomodam aos subsídios que recebem e que “lhes bastam para subsistir”.

“Nós temos autênticos profissionais da formação. Não quer dizer que sejam todos, mas há casos de pessoas que estão mais interessadas em ir passando por estes contextos formativos de instituição em instituição do que propriamente dirigirem o seu interesse para a obtenção de um posto de trabalho. Também sabemos que a dificuldade de arranjar trabalho desmobiliza e desmotiva. Que motivação é que eu tenho para fazer uma formação numa determinada área quando sei que depois de fazer formação ficarei à espera?”, questiona o psicólogo.

A palavra resiliência é também a que Graça Hidalgo usa para se referir à luta das pessoas com deficiência visual por um emprego.

“Quando temos uma pessoa qualificada, às vezes com mais do que um curso superior, com vontade de trabalhar e depois não consegue colocação no mercado de trabalho, não consegue ser subsistente – ganhar para pagar a sua casa, pagar a sua alimentação, pagar os seus gostos – isso é desconcertante, é desmotivador. Mas há uma coisa chamada resiliência que cada um de nós tem e acaba por conseguir superar.”

Os apoios disponíveis pelo IEFP

Os estágios de inserção são uma das medidas de apoio que o IEFP tem para facilitar a transição de pessoas com deficiência e incapacidade para o regime de trabalho. Existe ainda a possibilidade de realizar contratos emprego-inserção – que incluem a realização de atividades socialmente úteis no âmbito de projetos promovidos por entidades coletivas públicas ou provadas sem fins lucrativos –, emprego protegido e emprego apoiado em mercado aberto. Nesta última vertente, o estado compromete-se a compensar a redução de produtividade que a pessoa com deficiência possa ter, quando comparado com um trabalhador sem deficiência.

Filipa Traqueia

Graça Hidalgo considera que os apoios “são simpáticos”, mas gostaria de ter “um miminho mais simpático” para oferecer às empresas quando tenta encontrar trabalho para os formandos da associação. Defende que esses apoios poderiam ser importantes “para quebrar o primeiro gelo” e critica a “burocracia” que está subjacente às candidaturas.

“É isso que mata qualquer vontade. Eu já tive empregadores que, de facto, recorreram aos incentivos da contratação e nós, que não temos financiamento nenhum para isso, acabamos por ajudar. Eu faço os projetos, ajudo a ir aos sítios certos, algumas palavras certas… Porque é tudo muito burocrático”.

Já Rodrigo Santo considera que os apoios não são “suficientes” para responder ao dinamismo do mercado de trabalho e defende que deveria haver uma “rede de apoios públicos mais focada no apoio especializado em função da própria deficiência no contexto de trabalho”. Esse apoio poderia permitir aos empregadores recorrer a um plano de financiamento de forma ocasional e esporádica para responder a alterações da função ou adaptar a formação às necessidades do trabalhador.

Sobre a implementação de quotas para pessoas com deficiência nas empresas públicas e privadas, o presidente da ACAPO considera que estas medidas trazem vantagens e desvantagens: se por um lado pode servir como forma de propagar bons exemplos e mudar mentalidades, por outro pode levar os empregadores a olharem para as pessoas com deficiência visual como "um nicho que fica bem ter ou que temos de ter para cumprir a legislação", o que "acaba por resultar num grande prejuízo para a vida profissional das pessoas com deficiência".

Loading...

O IEFP tem também um programa de adaptação de postos de trabalhos e eliminação de barreiras arquitetónicas que permite financiar a compra de equipamentos adaptados ou eliminar obstáculos físicos que possam impedir o acesso da pessoa com deficiência. Este apoio pode ser pedido pelas empresas quando o trabalhador com deficiência tem um contrato com duração inicial mínima de um ano, um contrato sem termo ou é incluído nos quadros da empresa.

O que é preciso para adaptar um posto de trabalho?

A secretária onde Patrícia Soares, de 30 anos, costuma trabalhar é praticamente igual à dos restantes funcionários da empresa. Tem um computador e uns fones, mas com uma linha de braille – que possibilita ler o que está escrito no ecrã. Enquanto escreve um e-mail no seu portátil, nada parece diferente, só quando desliga os fones é que se ouve uma voz rápida e mecânica.

“É um mito dizer que adaptar um posto de trabalho fica muito caro ou é muito complexo. Muitas vezes nem é preciso quase adaptação nenhuma. No meu caso pedimos [ao IEFP] apenas um OCR [um programa informático que converte imagens e ficheiros PDF em texto] e uma linha braille. Basicamente foi isso. De resto, a empresa atribuiu-me um computador – como atribuiu a qualquer outro trabalhador – onde instalámos um screen reader [leitor de ecrã], que também é completamente gratuito.”

Filipa Traqueia

Por baixo da secretária de Patrícia, está uma almofada que foi oferecida pela empresa. Era o posto de repouso da cadela-guia Orleans, que, entretanto, se reformou. Enquanto conta a sua chegada à empresa, a técnica de recrutamento destaca, por várias vezes, a receção e o apoio que sentiu.

“Houve uma abertura muito grande em adaptar as minhas necessidades à função, à realidade da empresa”, conta, indicando, como exemplo, que as salas e o elevador passaram a ser etiquetados com braille. “Isso permitiu-me não depender de ninguém. E não foram tomadas medidas só para a minha condição”, acrescenta.

Loading...

Agora é Patrícia quem faz as perguntas para escolher o melhor candidato a integrar a empresa. Quando está a conduzir as entrevistas, é o tom de voz que lhe chama logo a atenção e através do qual consegue identificar a motivação da pessoa. Há uns anos, Patrícia estava do outro lado da mesa: depois de terminar o mestrado em psicologia social de organizações, começou a procurar um estágio profissional para poder integrar a Ordem dos Psicólogos, mas as perguntas que os recrutadores mais colocavam era sobre a sua deficiência.

“O que avaliavam era a minha deficiência, não as minhas competências”, explica, indicando como principal problema a falta de informação que “leva a que exista discriminação e preconceito no recrutamento”. “Não raras vezes, por ignorância, estamos a perder talento”, remata.

O trabalho como parte da integração na sociedade

Para Patrícia, a possibilidade de trabalhar traz realização pessoal e abre possibilidade à concretização de projetos pessoais, como viajar, estudar ou evoluir na carreira. José Carlos Costa destaca a importância de estar com as pessoas e conviver. Vítor Graça reforça a ideia que “um emprego, para uma pessoa com deficiência, tem sempre um peso muito importante”.

“Todos os filhos têm, normalmente, orgulho nos pais. Se um pai ou uma mãe está em casa todos os dias, não se reveem naquele pai. É importante as pessoas terem emprego. É cego, sim, mas luta, vence para os filhos, é um exemplo. Para não falar do amor próprio que a pessoa passa a ter.”

Fernando Madaleno, de 58 anos, vê o trabalho como uma forma de se sentir integrado na sociedade. Há 30 anos, terminou o curso de fisioterapia no Hospital Curry Cabral. Na altura foi o único da sua turma a não conseguir encontrar um trabalho, mas encontrou quem lhe desse a mão. Depois de várias cartas – na altura ainda não havia e-mails – de candidatura rejeitadas, Salvino Ferreira, que era formador no curso, achou que o talento de Fernando não podia ser desperdiçado, por isso, quando decidiu abrir uma clínica, contratou-o logo. Uma parceria que se mantém ainda hoje.

Loading...

Depois de ter sido contratado para a clínica, “a vida começou logo a dar certo”: casou-se e teve dois filhos que são já adultos e trabalham. Mesmo passadas várias décadas, não se cansa de agradecer a oportunidade que lhe foi dada: “O principal é alguém acreditar em nós”.

“Se o meu exemplo servisse para outros como exemplo… Mas é preciso que alguém acredite, é preciso que alguém dê a oportunidade, aquele primeiro passo. Se não, a pessoa anda aí a bater a todas as portas e todas se fecham.”

Salvino Ferreira tem baixa visão, o que faz com que esteja mais atento às dificuldades dos trabalhadores com deficiência visual. Desde que assumiu o papel de massagista, Fernando tem vindo a aperfeiçoar o seu trabalho e a sua confiança. Agora, são os pacientes que pedem para ser tratados por ele.

A sala de fisioterapia está cheia. Dois doentes estão deitados nas macas, enquanto outros dois se preparam para o tratamento. Fernando vai caminhando velozmente de um lado para o outro, com confiança, fazendo exercícios específicos às lesões de cada um dos pacientes. Enquanto faz as massagens, diz algumas piadas, fazendo rir os doentes que trata.

“Não me vejo com dificuldades de maior, talvez porque o senhor Salvino e a respetiva direção nunca me criaram obstáculos nenhuns, pelo contrário”, explica. “Não me atrapalho com qualquer coisa ou qualquer pessoa. Fui ganhando confiança na maneira de me relacionar com as pessoas. Não fico tímido, confio muito em mim e no meu trabalho. Isso dá-me de tal maneira confiança que sou capaz de passar dias sem me lembrar desta característica.”

Filipa Traqueia

É, de facto, uma característica, não uma limitação. E a mentalidade começa a mudar em Portugal: em 2015 foi criada a secretaria de Estado dedicada à inclusão de pessoas com deficiência, que é tutelada por Ana Sofia Antunes. Além da novidade da tutela, o cargo é assumido pela primeira governante cega no país.

“O facto de termos uma secretária de Estado que é, ela própria, uma pessoa com deficiência, mostrou a quem ainda não tinha visto que a deficiência não é uma limitação nem um impedimento”, afirma Rodrigo Santos, sublinhando que Ana Sofia Antunes “mostrou que as pessoas com deficiência também são capazes de assumir com sucesso cargos de responsabilidade, mesmo que essa responsabilidade seja grande.”

SAIBA MAIS:

Entrevista à Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência - Ana Sofia Antunes

Site de José Carlos Costa

Podcast de Tomás Delfim

ACAPO

Associação Promotora de Emprego de Deficientes Visuais

Associação Promotora do Ensino dos Cegos

Instituto do Emprego e Formação Profissional