José Sócrates volta esta quarta-feira ao tribunal para o sexto dia de interrogatório, no âmbito do processo Operação Marquês, por, entre outras acusações, ter sido alegadamente corrompido pelo grupo empresarial Lena. À chegada ao Campus de Justiça, garantiu ter "provado" que é inocente da acusação do Ministério Público e que "a fortuna escondida simplesmente não existe".
Depois da sessão de terça-feira, em que levou novos documentos para tentar provar que não beneficiou o Grupo Lena, o ex-primeiro-ministro volta agora a a responder às questões do Ministério Público (MP). À chegada, expressou aos jornalistas a expectativa de que "o MP apresente qualquer coisa [provas] sobre os dois prédios, sobre as duas principais acusações, a PT e o TGV".
José Sócrates alega ter "provado", através dos documentos apresentados, que não beneficiou o Grupo Lena e que a "acusação é completamente desmentida pelos factos". O tribunal não deu, no entanto, como provado aquilo que mencionou o ex-primeiro-ministro, até porque este é o momento de inquirir o arguido e não de se pronunciar nesse sentido.
Questionado sobre se mantém a convicção de que não há crime que possa ser demonstrado em relação à fortuna escondida, Sócrates é perentório: "a fortuna escondida simplesmente não existe, isso não é verdade. Estão a antecipar-se ao debate, há 10 anos que me venho a defender disso."
Ainda em declarações aos jornalistas, Sócrates garante que o MP não só "não apresentou provas, nem um indício, nem um facto", como também "não contradisse nada do que afirmei" face às "provas" que apresentou na terça-feira.
"Nada daquilo existiu, tudo aquilo é falso", garantiu, ao mesmo tempo que criticou o papel do MP e o trabalho dos jornalistas, como já o fez anteriormente.
MP usou escutas para provar jantar com Salgado no quinto dia de interrogatório
Recuando a terça-feira, quinto dia de interrogatório, importa recordar que o MP confrontou José Sócrates com escutas em que este combinou um jantar, em 2014, em casa do ex-banqueiro Ricardo Salgado, tendo o antigo primeiro-ministro insistido que essa refeição nunca aconteceu.
Nas interceções telefónicas datadas de abril de 2014 e reproduzidas no julgamento da Operação Marquês, o antigo primeiro-ministro (2005-2011) aceita, através da sua secretária, jantar em casa de Ricardo Salgado, em Cascais, num encontro para o qual terá também sido convidado o então presidente executivo da Portugal Telecom (PT), Henrique Granadeiro.
"Fui convidado para jantar, mas o jantar não aconteceu, e estou convicto de que não aconteceu justamente porque o dr. Henrique Granadeiro não apareceu", reiterou José Sócrates, desvalorizando o facto de, no dia seguinte à data marcada, ter sido escutado a dizer que a refeição em casa do à data presidente do Banco Espírito Santo (BES) ocorrera.
Sócrates alega que foi a banca e não o grupo Lena que ganhou com chumbo do TGV
José Sócrates está a ser julgado por, entre outras acusações, ter sido alegadamente corrompido pelo grupo empresarial Lena para que o consórcio que o grupo integrava, e que em 2010 venceu o concurso para a construção do troço Poceirão-Caia da linha de alta velocidade, fosse indemnizado caso o Tribunal de Contas chumbasse o projeto, como acabaria por acontecer. O montante foi estabelecido em 150 milhões de euros e ainda não foi pago.
O antigo primeiro-ministro defendeu que este montante abrange apenas custos que o consórcio realmente teve, considerando, em contrapartida, que a "indemnização milionária" sob suspeita se refere aos 'swaps' (seguros para cobertura dos riscos) associados ao financiamento acordado entre as empresas e a banca.
Em causa, justificou com recurso a documentação, está o facto de, por decisão do Governo de Pedro Passos Coelho (2011-2015), o empréstimo que tinha sido concedido por vários bancos ao consórcio para o TGV ter sido reaproveitado pelo Estado, através da Parpública, depois do chumbo do Tribunal de Contas em 2012.
A transferência de 600 milhões de euros implicou que o Estado ficasse igualmente com os 'swaps', que, disse, tinham um valor negativo de 180 milhões de euros.
"Estas indemnizações dos 'swaps' não foram para o Lena, foram para os bancos, e, no momento em que lhes foi pago isso, a cláusula extinguiu-se. [...] Acusa-se o Lena de corrupção para obter uma indemnização que afinal foi recebida pelos bancos, é a alucinação de tudo isto", frisou José Sócrates.
O ex-governante socialista acusou ainda o Ministério Público de desonestidade por tudo isto já ser conhecido quando foi deduzida a acusação em 2017, o que valeu um protesto do procurador Rómulo Mateus.
José Sócrates, de 67 anos, está pronunciado (acusado após instrução) de 22 crimes, incluindo três de corrupção, por ter, alegadamente, recebido dinheiro para beneficiar em dossiês distintos o grupo Lena, o Grupo Espírito Santo (GES) - ligado ao BES, à data acionista da PT - e o empreendimento Vale do Lobo, no Algarve. Ricardo Salgado, de 81 anos e doente de Alzheimer, e Henrique Granadeiro, da mesma idade, são outros dos 21 arguidos no processo.
Os 21 arguidos - que respondem globalmente por 117 crimes económico-financeiros - têm negado, em geral, a prática de qualquer ilícito.
O julgamento começou em 3 de julho no Tribunal Central Criminal de Lisboa e prossegue esta quarta-feira, com mais pedidos de esclarecimentos do MP, nomeadamente sobre a relação de José Sócrates com o grupo Lena.
Com Lusa