Numa altura em que chega às salas do nosso país “Nope”, o mais recente título realizado por Jordan Peele (n. 1979), vale a pena revisitarmos “Get Out” (2017), a sua primeira longa-metragem, disponível em streaming. A plataforma que o disponibiliza anuncia-o, no painel de entrada, com o título “Corra!”, adoptado no mercado brasileiro — de qualquer forma, na ficha de entrada surge como “Foge”, título com que foi lançado em Portugal.
A propósito do cinema de Peele, muito se tem dito e escrito sobre a importância dos temas históricos e sociais ligados a personagens afro-americanas. Assim é, sem dúvida, mas creio que será algo precipitado associar tal caracterização a uma noção simplista de intervenção “política”. Isto porque, além do mais, o trabalho de Peele (também responsável pelos argumentos dos seus filmes), possui uma dimensão fantástica que importa ter em conta.
Assim acontece em “Foge”, filme que começa quase como uma comédia romântica. Em cena estão Chris, um jovem afro-americano, e Rose, a sua namorada branca — interpretados, respectivamente, por Daniel Kaluuya e Allison Williams. Vão em viagem, com o objectivo de dar a conhecer Chris aos pais de Rose… Evitando informar mais do que cada um, como espectador, poderá descobrir, digamos que tudo o que acontece tem tanto de inesperado como de perturbante.
Como é óbvio, Peele coloca em cena uma situação em que a raça funciona como fronteira social e simbólica, mas não o faz a partir de clichés políticos ou morais. Nada disso. “Foge” possui a intensidade de uma história em que o natural e o transcendental de cruzam e contaminam, actualizando de forma inventiva algumas regras clássicas do cinema de terror. Como pano de fundo, pressentimos uma América a contas com as tragédias de uma pesada herança histórica.