Ainda Jean-Luc Godard — falecido no dia 13 de setembro, contava 91 anos, deixou-nos uma herança plena de diferenças e contrastes, pontuando com sentido crítico e invulgar energia criativa alguns momentos emblemáticos da história do século XX. Assim é “Fim de Semana”, o célebre “Week-end” que, lançado em finais de 1967, surge por vezes citado como um objecto “premonitório” das convulsões que abalaram a França em Maio de 68.
Enfim, não nos precipitemos: Godard não tem, nem nunca pretendeu ter, qualquer visão “profética”. O certo é que “Fim de Semana” possui os sinais — as personagens, os ambientes, as ideias — de um tempo pontuado por muitas crises e, sobretudo, pela decomposição de valores tradicionais da vida individual e colectiva.
O que é, então, “Fim de Semana”? Digamos que se trata da viagem (de fim de semana, precisamente) de um casal interpretado por Mireille Darc e Jean Yanne. Aquilo que parecia ser uma deambulação mais ou menos rotineira, típica de um determinado modo de vida, acaba por se revelar minada por muitos dramas: infidelidade conjugal, um quotidiano de grande instabilidade emocional, estradas pejadas de acidentes (o filme tem mesmo uma célebre cena centrada num gigantesco engarrafamento), fantasmas da histórias colectiva que regressam como coisas vivas, perturbantes — veja-se, a esse propósito, o breve clip aqui em baixo.
Estamos, enfim, perante um filme enredado num certo realismo social, mas que, em boa verdade, possui o fôlego de uma parábola existencial, apocalíptica, contaminada pelo pessimismo dos tempos (daqueles tempos…). Por alguma razão se diz que o fim da Nova Vaga francesa ficou, de alguma maneira, sinalizado por este “Fim de Semana”. Ou como o próprio Godard viria a dizer: era preciso recomeçar do zero.