Cultura

Sessão de Cinema: “Graças a Deus”

Melvil Poupaud em "Graças a Deus": drama intimista, memória social e histórica
Melvil Poupaud em "Graças a Deus": drama intimista, memória social e histórica

François Ozon distingue-se como um dos grandes autores do actual cinema francês: este filme, premiado em Berlim, é um dos seus dramas mais elaborados e perturbantes.

Com a chegada do notável “Peter von Kant” às salas de cinema, podemos reencontrar o universo do francês François Ozon, realizador “impossível” de definir através de uma temática, um modo de narrativa ou um estilo visual. Ele é, de facto, um genuíno experimentador, sabendo refazer, com rigor e invenção, os mais diversos géneros que a história do cinema consagrou, do melodrama ao policial, passando pela comédia musical.

Entre os seus títulos disponíveis em streaming, “Graças a Deus” será, por certo, um dos mais elaborados e perturbantes. Isto porque se trata de construir uma ficção a partir de casos verídicos de abuso sexual de crianças no seio da Igreja Católica em França — revelado em 2018, no Festival de Berlim, aí ganhou um Urso de Prata correspondente ao Grande Prémio do Júri (presidido por Juliette Binoche).

Evitando as eventuais facilidades de uma banal “reconstituição” dos factos, o filme de Ozon, cujo argumento tem também a sua assinatura, centra-se num tempo posterior a esses factos: Melvil Poupaud, Swann Arlaud e Denis Ménochet (protagonista de “Peter von Kant”) interpretam três adultos cujas existências continuam marcadas e, de alguma maneira, assombradas pelos abusos a que foram sujeitos enquanto crianças.

Alheio a qualquer exploração gratuita dos factos e, escusado será dizê-lo, não cedendo a nenhuma lógica “voyeurística”, “Graças a Deus” é um filme sobre essa teia de memórias que, afinal, atravessa todo o tecido social — das vidas íntimas das personagens centrais às instituições da justiça, passando, claro, pelo território da instituição católica. Como poucos, Ozon possui essa capacidade de evitar reduzir os problemas que aborda a generalizações fáceis, nunca perdendo de vista a complexidade da sua inserção histórica e, nessa medida, a sua configuração emocional na vida de cada indivíduo.

Filmin

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