
Sobre a importância de mudar o modelo alimentar mais do que deixar de comer carne
Partilho a apreensão da comunidade científica pela relação entre a produção alimentar e as mudanças climáticas. De facto, a produção alimentar ao longo de toda a cadeia alimentar e aqui incluo, por exemplo, o transporte e a embalagem faz com que por cada caloria ingerida seja necessária a utilização de uma quantidade muito superior de água e energia, e que essa quantidade aumente quando consumimos (de um modo geral) produtos de origem animal.
Contudo, e antes de diabolizarmos exclusivamente a carne, é necessário um pensamento mais amplo sobre os nossos comportamentos alimentares e sobre a nossa forma de consumir. Para protegermos este nosso planeta precisamos muito mais do que reduzir o consumo de carne.
Pedro Graça é diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direcção Geral da Saúde e diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto.
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Bons sinais
Ao longo das últimas quatro décadas, ao mesmo tempo que a população humana duplicou, a produção global de carne aumentou mais de 3 vezes. Segundo a FAO, o consumo global anual per capita passou de 23Kg em 1961, para 42Kg em 2009. Portugal é um caso de surpreendente aumento do consumo per capita de carne, tendo passado de 20,6Kg em 1961, para 112,3Kg em 2016 (INE, 2017).
Os animais são fábricas de calorias e de proteínas muito pouco eficientes. Apenas cerca de 10% da energia consumida pelos animais chega ao prato dos consumidores sob a forma de pedaços comestíveis. Tal facto representa um enorme desperdício de recursos, num Planeta cuja população humana não para de aumentar e onde ainda subsiste a fome.
Hoje, mais de 40% da produção de cereais e 80% da produção global de soja, estão a ser fornecidos como alimento a animais, num processo altamente ineficiente em que 6Kg de ração não produzirão em média mais de 1Kg de carne. Por maiores que possam vir a ser os ganhos de eficiência proporcionados pelo avanço tecnológico, a terra fértil será cada vez mais insuficiente para sustentar a prática de dietas que incluem grande percentagem de proteína animal.
Acresce que na maioria dos países o consumo de proteína animal há muito ultrapassou o recomendado pelas principais organizações internacionais de saúde, com destaque para a Organização Mundial de Saúde, sendo crescente causa de problemas de saúde.
Fernando Mano é doutorando em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável, ICS-Universidade de Lisboa
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A Terra em risco, o Mundo em procura
Quando a jovem Genesis Butler cita a encíclica Laudato Sí e pede ao Papa que faça um jejum mais rigoroso na Quaresma, não constrói apenas – ela e todo o movimento que a acompanha nesta demanda – uma hábil chamada de atenção para o propósito que a move, mas reconhece que Francisco é já um protagonista essencial no debate sobre as questões ambientais.
Laudato Sí1 constituirá um dos mais ruidosos gritos políticos de um Papa na história recente, entendendo-se aqui a política no sentido mais nobre, que todos responsabiliza no exercício de uma cidadania pelo bem comum. É o primeiro documento de um Papa integralmente dedicado aos problemas ambientais e à ecologia.
Não se trata de um texto em circunstância aguda, nem apenas de uma resposta imediata a uma crise eruptiva, mas do traçado para uma nova era. Como escreve Francisco, “apontar para outro estilo de vida”. E é neste aspeto radical da reflexão do Papa que Genesis encontra abertura para o ousado convite. Ela representa, afinal, um movimento que pretende a radicalidade de uma mudança de comportamento no consumo alimentar.
Por Joaquim Franco, jornalista da SIC e investigador em Ciência das Religiões
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Júlia Seixas, professora FCT Univ. Lisboa
Júlia Seixas - Professora FCT Univ. Lisboa
Neutralidade carbónica e o nosso futuro em comum
Somos cada vez mais os que habitam o Planeta e cada um de nós tem aumentado o seu perfil de consumo.
O trabalho liderado por Johan Rockstrom, publicado na Science em março de 2018, deixa claro que as emissões globais dos combustíveis fósseis devem começar a descer a partir de 2020 até desaparecerem por completo em meados deste século. Não levar a sério esta asserção implica incorrer em custos, tendencialmente muito avultados num futuro mais ou menos próximo, e muito sofrimento humano, como aliás já temos vindo a assistir episodicamente, incluindo Portugal.
Atualmente temos o conhecimento e as soluções para invertermos rapidamente o caminho atual. É moralmente obrigatório e tecnologicamente possível limpar o sistema energético mundial até 2050, e alterarmos o perfil de consumo, nomeadamente do consumo de carne e da fast fashion, para nomear apenas alguns exemplos que mais pesam na fatura ambiental do Planeta. As mudanças deverão ser transversais, em todos os sectores da economia, e de adoção coletiva. Indústria, edifícios, espaços públicos, comércio e transportes deverão fornecer os seus serviços sem a emissão de gases com efeito de estufa. Novos materiais de construção, novos sistemas de mobilidade, novos produtos de consumo circular e uma dieta baseada nas plantas são exemplos que devem ser prosseguidos, porque já existem disponíveis no mercado.
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Comida para o pensamento na sociedade do desperdício
Para travar a degradação ambiental e as alterações climáticas não basta alterar a dieta alimentar, se continuarmos a queimar combustíveis fósseis para produzir energia, a deslocarmos-nos sobretudo em automóveis particulares com motor de combustão interna, a desperdiçar e a consumir em excesso de tudo: comida, roupas, equipamentos elétricos e eletrónicos, e por aí fora.
A campanha internacional lançada esta quarta-feira, cujo rosto é a ativista californiana de 12 anos Genesis Butler, incentiva as pessoas – a começar pelo chefe da Igreja católica, a quem escreve uma carta aberta – a tornarem-se veganas para travar a degradação ambiental e as alterações climáticas. O apelo suscita uma série de questões. Mas, em inglês, há uma expressão que, na tradução à letra para português, é “alimento para o pensamento”, e que na prática quer dizer “dar que pensar”. A carta de Genesis tem esse mérito.
Para alguém que acompanha a área do ambiente, a ideia de que nos países ricos será preciso reduzir drasticamente o consumo de carne, sobretudo vermelha, e de laticínios, para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e travar o perigoso aumento da temperatura média do planeta, não é nova.
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Luísa Schmidt, ICS-ULisboa, Socióloga e investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Por uma nova dieta alimentar
Uma prestigiada revista médica internacional – a The Lancet - divulgou um estudo vasto e recente sobre a condição alimentar do mundo e o seu futuro.
Ficámos a saber, sem grande surpresa, que as desigualdades entre quem come demais e quem come de menos, se agravaram, e que, com o aumento previsível da população nas próximas décadas, só será possível evitar fomes trágicas se no mundo ocidental nos habituarmos a comer de outro modo.
Propõe-se assim uma nova alimentação que só trará vantagens para a equidade planetária, para o ambiente e muito directamente para a nossa própria saúde. Menos carne vermelha, menos lacticínios, menos açúcar, menos álcool, menos sal. E, em sua substituição, mais frutas, leguminosas, verduras e frutos secos.
Estas recomendações, agora estatisticamente actualizadas, são reforçadas pela urgência em restabelecer equilíbrios no planeta e nas sociedades.
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Joao Ferrand
Ambivalências de uma campanha
Hoje, em vários países do mundo, as notícias vão-nos acordando com o eco de uma campanha: Million Dolar Vegan.
O que dizer sobre esta campanha?
1º Uma estratégia comunicativa eficaz
A primeira coisa que há a dizer é que esta é uma campanha eficaz de comunicação capaz de mobilizar vários recursos: personalidades, meios de comunicação, redes sociais, etc. Tudo foi pensado ao pormenor para que, no dia certo, o buzz comunicativo fosse capaz de marcar a agenda mediática. O vínculo emotivo que se deseja que o público estabeleça com esta iniciativa é procurado na escolha dos interlocutores. De um lado Genesis Butler, uma criança de 12 anos conhecida por ser uma ativista que defende o veganismo como meio para proteger o ambiente e lutar contra as causas ambientais. Do outro lado, o Papa Francisco que se tem destacado por ser uma personalidade credível bem para lá das fronteiras da Igreja Católica. Um Papa que responde a cartas e telefonemas de crianças, como não se deixará tocar por esta campanha? É esta a pergunta que quem delineou toda a estratégia comunicativa quer que façamos.