Uma antiga censora explicou à agência Lusa como as longas horas de trabalho, "a enorme pressão" e o sentimento de ser uma "delatora" a levaram a abandonar a máquina estatal de censura chinesa.
O Presidente Xi Jinping deve obter um terceiro mandato como secretário-geral do Partido Comunista Chinês durante o 20.º Congresso do Partido, que arrancou hoje.
Na semana passada, a organização de defesa de direitos humanos Human Rights Watch disse que Xi "restringiu severamente a liberdade de expressão" desde que chegou ao poder, no final de 2012.Três anos depois, Wang Xiaoyan, de 37 anos, juntou-se à máquina estatal de censura chinesa após ver um anúncio, muito vago, da Polícia de Segurança Pública na cidade onde vive, no leste da China.
"Mesmo a pessoa com quem falei na esquadra só me disse que tinha a ver com notícias e com a Internet e que, como tinha a ver com segurança pública, algumas coisas tinham de ser mantidas em segredo", disse Wang à Lusa.
Só depois de assinar um termo de confidencialidade é que Wang pôde saber mais sobre a posição a que estava a concorrer, seguindo-se um teste escrito, "uma avaliação política", que inclui os antecedentes familiares, e uma entrevista.
"Davam-me alguns cenários e perguntavam-me como lidar com isso. Por exemplo, quando fiz o meu teste foi na altura em que aconteceu o caso do camarão em Qingdao", uma cidade no centro-leste da China, explicou.
Wang refere-se a um restaurante de Qingdao que cobrou 1.520 yuan (218 euros) por um prato de camarões cujo preço estava fixado em 38 yuan (5,5 euros). O caso gerou críticas nas redes sociais chinesas, sobretudo porque a polícia interveio a favor do dono do restaurante.
"Basicamente usavam-nos como mão-de-obra relativamente barata para fazer um trabalho simples e repetitivo", sublinhou a chinesa, acrescentando que só num distrito da cidade foram recrutadas mais de uma dezena de pessoas.
"A maioria das pessoas que trabalham como censores acabaram de sair do liceu", disse à Lusa um professor da Universidade de Harvard.
"O salário também não é grande coisa", sublinhou Gary King.Wang Xiaoyan ganhava "cerca de 50 mil a 60 mil yuan [7.200 a 8.600 euros] por ano".
"O nosso trabalho era apanhar informação. Assim que descobríssemos informação, tinha de ser comunicada. Por isso às vezes tinha de trabalhar à noite. Também tínhamos de prestar atenção a alguns sites estrangeiros", explicou Wang.
"A pressão que a polícia exercia sobre nós era enorme. Parecia que estava a trabalhar 24 horas por dia. Não conseguia dormir bem. No final senti que estava a ter um esgotamento nervoso", disse Wang Xiaoyan, que mudou de emprego após três anos.
Outra razão para abandonar o cargo, disse, foi o facto de este trabalho ser "parecido com delação, mas só que não conheces a pessoa que estás a denunciar". "E eu não gostava mesmo de ser este tipo de delatora", disse Wang.