Acompanhar o Festival de Berlim através do computador (entre os dias 1 e 5 de março) foi uma experiência desconcertante — misto de fascínio e amargura. Fascínio pelo reencontro com um certame que, mesmo online, continua a ser um caso modelar de organização; amargura porque, de facto, quase todos os filmes vistos suscitavam o desejo de os (re)ver no ecrã de uma sala escura.
Além do mais, a Berlinale deixou uma “mensagem” que, não sendo nova, vale a pena voltar a sublinhar. A saber: não se justifica que os filmes, nomeadamente no interior de uma competição, sejam divididos entre “ficção” e “documentário” porque, de facto, o cinema contemporâneo faz-se da coexistência de registos muito diversos.
Na minha perspectiva, um filme da competição oficial terá deixado uma lição exemplar. Chama-se “Herr Bachmann und Seine Klasse”, tem realização de Maria Speth e acabou por ganhar o Prémio do Júri. O Sr. Bachmann e a sua turma (como se diz no título original) formam um agregado humano muito especial que o filme acompanha, justamente, através de uma exemplar narrativa documental.
Dieter Bachmann dá aulas a uma turma de adolescentes na pequena cidade de Stadtallendorf, no centro da Alemanha. São alunos provenientes de famílias de raízes geográficas e culturais muito diversas (Turquia, Bulgária, etc.), nessa medida transportando para o espaço das aulas as diferenças interiores da própria Europa.
Não é um filme de “tese”, entenda-se. Longe disso. Não há nele nenhuma lógica normativa, muito menos redentora. O olhar documental envolve, assim, uma atenção extrema às nuances dos comportamentos, no limite dando-nos a ver as dificuldades — e também as alegrias — de um peculiar sistema de ensino e diálogo. Enfim, vale a pena referir que “Herr Bachmann und Seine Klasse” está adquirido para o mercado português onde, mais cedo ou mais tarde, será, por certo, um grande acontecimento.