A 75ª edição do Festival de Cannes vai apresentar alguns filmes que são… séries de televisão. Ou serão produtos televisivos feitos com critérios cinematográficos.
Está a começar a 75ª edição do Festival de Cannes, o maior certame cinematográfico do mundo — de 16 a 28 de maio, com uma poderosa secção competitiva (Cronenberg, Dardenne, Skolimowski, etc.) e um júri oficial presidido pelo actor francês Vincent Lindon.
Nestes tempos em que, como bem sabemos, a maioria dos espectadores passou a ter uma relação mais intensa com os ecrãs caseiros (secundarizando as salas escuras), vale a pena perguntar — em boa verdade, voltar a perguntar — como está a velha questão das relações entre cinema e televisão.
Pois bem, mais do que nunca, parece confirmar-se que a diluição das suas fronteiras tradicionais é um facto consumado. Dois exemplos de Cannes, precisamente, ajudam-nos a situar tal confirmação. Assim, o italiano Marco Bellocchio e o francês Olivier Assayas surgirão na selecção oficial do festival (extra-competição) com dois produtos híbridos. Entenda-se: a sua visão decorre da dimensão cinematográfica dos respectivos autores, mas Bellocchio e Assayas estarão na Côte d’Azur para apresentar duas… séries televisivas.
Bellocchio revisita um acontecimento traumático da vida política e moral de Itália — o rapto e assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, em 1978 — num conjunto de cinco episódios intitulado “Esterno Notte”, com Fabrizio Gifuni como intérprete principal (o trailer, aqui em baixo, é francamente apelativo). Por sua vez, Assayas apresenta os primeiros três episódios de “Irma Vep”, série sobre os bastidores do cinema que se inspira no filme homónimo, uma espécie de farsa policial, que ele próprio dirigiu em 1996.
Nada a concluir, para já. Apenas a certeza de que estes cruzamentos (de produção, concepção e narrativa) estão, cada vez mais, na linha da frente do cinema e da televisão. Ou do cinema através da televisão. Ou da televisão inspirada pelo cinema…