Que é feito da temporada de verão do cinema? Ou melhor: dos cinemas, das salas de cinema. A pergunta pode envolver alguma discreta nostalgia (porque não?…), mas procura, acima de tudo, alguma objectividade. Digamos, por isso, o mais simples: a temporada de verão é “coisa” que deixou de existir.
É bem verdade que, no meio de muita agitação publicitária, ainda em plena primavera, estão a chegar os chamados “blockbusters” de verão, incluindo o novo “Top Gun”, com Tom Cruise [foto], que terá honras de ante-estreia no Festival de Cannes (17-28 maio). Será interessante? Melhor ou pior que o primeiro, lançado em 1986? Decididamente, a questão não é essa. Trata-se tão só de reconhecer que a tal temporada de verão se esvaziou dos seus conteúdos clássicos, limitando-se a ser sinalizada pela saturação das campanhas publicitárias dos referidos “blockbusters”.
Tempos houve, de facto, em que as salas de cinema utilizavam os meses de verão para dar a ver títulos ainda relativamente recentes (mobilizando os espectadores que os tinham perdido no momento da estreia) e também, sobretudo, para recuperar grandes clássicos em cópias novas. Entre as muitas memórias possíveis, recordo, no começo da década de 1970, a reposição de “O Homem das Mulheres” (1961), de Jerry Lewis, uma obra-prima da comédia clássica [trailer] — aconteceu essa reposição em Lisboa, no cinema Apolo70, sala programada por Lauro António (1942-2022).
O paradoxo (para não dizer a contradição) dos tempos actuais é, no mínimo, intrigante. A saber: esse modelo de programação, atento à pluralidade das memórias, quase desapareceu dos grandes circuitos (mas não das chamadas salas independentes), ao mesmo tempo que muitas dessas memórias do cinema surgem perdidas no caldeirão das plataformas de “streaming”. Porquê perdidas? Porque, na maior parte dos casos, o trabalho para dar a conhecer os clássicos — e, em particular, os contextos em que foram gerados — é muito débil, para não dizer inexistente.
O que, enfim, deixa uma sensação amarga: a abundância da oferta não gera, necessariamente, um melhor conhecimento da história dos filmes e do cinema. Como se a a aceleração do marketing e a vertigem do consumo anulassem o prazer de conhecer.