Quando faltava um mês para o arranque do julgamento do processo de extradição para Portugal, agendado para decorrer entre os dias 13 e 30 de junho, e a apenas uma semana da sessão preparatória, o antigo presidente do Banco Privado Português (BPP) foi encontrado morto na sua cela perto da meia-noite de quinta-feira, segundo os serviços penitenciários sul-africanos, que abriram uma investigação às circunstâncias da morte.
João Rendeiro foi condenado em três processos distintos relacionados com o colapso do BPP, tendo o tribunal dado como provado que retirou do banco 13,61 milhões de euros.
No dia 28 de setembro do ano passado, o ex-banqueiro anunciou no seu blogue pessoal que não iria regressar a Portugal por se sentir injustiçado.
Cronologia dos principais acontecimentos:
11 de dezembro de 2021: a detenção de João Rendeiro
A Polícia Judiciária anunciou a detenção de João Rendeiro, sobre quem pendiam dois mandados de detenção internacional. O antigo presidente do BPP foi detido num hotel em Durban, no sudeste da África do Sul, pelas 7:00 locais (5:00 em Lisboa).
13 de dezembro de 2021: o ex-banqueiro presente a um juiz na África do Sul
João Rendeiro é presente pela primeira vez a um juiz no Tribunal de Verulam. A defesa pediu a sua libertação sob fiança, mas o NPA manifestou a sua oposição. A sessão acabou por ser adiada para o dia seguinte, por decisão do magistrado, com o processo de extradição a ficar ainda fora da discussão no tribunal. Rendeiro foi levado para a prisão de Westville, em Durban.
No dia seguinte, a advogada June Marks adianta que vai pedir a transferência do ex-banqueiro para outra prisão, depois de João Rendeiro ter recebido ameaças de morte de outros prisioneiros, mas a sessão foi novamente adiada para o dia seguinte.
17 de dezembro de 2021: tribunal rejeitou a libertação sob caução, com o juiz a declarar que Rendeiro “é um fugitivo”
O tribunal de Verulam rejeitou a libertação sob caução, com o juiz Rajesh Parshotam a declarar que João Rendeiro “é um fugitivo, contra as ordens dos tribunais” e que “quase de certeza fugiria” se fosse libertado, questionando: “Se não respeita processos judiciais em Portugal porque iria respeitar na África do Sul?”
31 de dezembro de 2021: defesa de Rendeiro formaliza o recurso sobre a prisão preventiva
A defesa de João Rendeiro formaliza o recurso sobre a medida de coação de prisão preventiva aplicada, alegando que o juiz decidiu com base em informação não verificada e não autenticada, nomeadamente nas traduções dos mandados de captura, portugueses e internacionais. No recurso lê-se ainda que o tribunal errou ao valorizar alegações não provadas de que Rendeiro tem milhões de euros provenientes da prática de crimes e ao desconsiderar o impacto do encarceramento no estado de saúde do antigo presidente do BPP.
Já em 2022, a 10 de janeiro, João Rendeiro regressa a tribunal, mas a sessão é adiada para dia 21. No entanto, houve tempo para ser feita uma atualização sobre o processo.
12 de janeiro de 2022: PGR envia pedido formal de extradição de João Rendeiro
Numa nota à comunicação social, a Procuradoria-Geral da República anuncia que o pedido formal de extradição de João Rendeiro foi recebido neste dia pelas autoridades sul-africanas.
A 19 de janeiro de 2022, João Rendeiro é assistido na enfermaria da prisão de Westville por ter febre, com a sua defesa a criticar as condições de assistência médica disponíveis.
21 de janeiro de 2022: juiz recebe os documentos de extradição, mas a selagem dos documentos estava partida
Dois dias depois, o juiz Johan Van Rooyen recebe os documentos de extradição e adia o início do julgamento para dia 27. A sessão fica marcada pela descoberta de que a selagem dos documentos em português estava partida, enquanto os documentos traduzidos estavam devidamente selados, o que levou o procurador da NPA a dizer que seria apresentado um pedido para que os documentos de extradição sejam reenviados através de canais diplomáticos para as autoridades portuguesas, por forma a que estas os verifiquem e voltem a selar.
June Marks revela ter escrito ao Presidente da República sul-africano, Cyril Ramaphosa, e ao ministro da Justiça e Serviços Correcionais, Ronald Lamola, alertando-os de que pretende contestar até ao Tribunal Constitucional a extradição do ex-banqueiro para Portugal. Paralelamente, anunciou ter sido instruída para apresentar uma queixa às Nações Unidas sobre as condições “desumanas” da prisão de Westville.
1 de fevereiro de 2022: A PJ executa o arresto do património do ex-banqueiro na Quinta Patino, em Cascais
A PJ executa o arresto do património do ex-banqueiro João Rendeiro na Quinta Patino, em Cascais, e noutros locais. Os mandados de arresto de bens do ex-presidente do BPP são executados no âmbito de um processo em que Rendeiro já foi condenado e abrangem bens da casa da sua Maria de Jesus Rendeiro, que está em prisão domiciliária, indiciada do crime de descaminho de obras de arte do marido, das quais era fiel depositária.
A 23 de fevereiro de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa nega o recurso interposto pelo ex-banqueiro no processo em que foi condenado a 10 anos de prisão por crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança e branqueamento de capitais. No acórdão, o juiz desembargador relator Rui Teixeira criticou duramente a conduta de Rendeiro, vincando que o ex-banqueiro foi movido pela “ganância e avidez” e que delapidou o banco e os clientes “apenas e só pelo vil metal”.
Um mês depois, a 22 de março de 2022, a PJ realiza oito buscas em Lisboa, Aveiro e Porto relacionadas com desvio de fundos e descaminho de obras de arte de João Rendeiro que estavam à guarda da sua mulher.
25 de março de 2022: PGR confirma que a documentação do processo de extradição chegou a África do Sul
A PGR confirma que as autoridades sul-africanas receberam a documentação relativa ao processo de extradição do ex-banqueiro. Os documentos enviados em janeiro pela PGR para a África do Sul regressaram a Portugal em fevereiro, depois de se ter percebido numa sessão em tribunal que a fita que selava os documentos em português estava quebrada.
27 de abril de 2022: Defesa de João Rendeiro apresenta documento que atesta um alegado problema cardíaco
O jornal Público avança que a defesa de João Rendeiro juntou ao processo dois documentos: uma carta assinada em fevereiro por um cardiologista a indicar que observou o ex-banqueiro em 2012 e que um ecocardiograma revelou fibrose da válvula aórtica e mitral, e um relatório médico a atestar que João Rendeiro tem cardiopatia reumática, assinado por um psiquiatra que já tinha sido condenado por ter feito sexo sem consentimento com uma paciente grávida. Contudo, a defesa desvalorizou a situação e informou que este relatório médico não seria utilizado em tribunal no âmbito do processo de extradição.
No dia seguinte, uma informação do Juízo Central Criminal de Lisboa, enviada à PGR após um pedido de esclarecimento das autoridades sul-africanas, refere que o antigo presidente do BPP nunca alegou problemas de saúde nos processos em que foi julgado e condenado em Portugal.
A 5 de maio de 2022, o Conselho Superior da Magistratura conclui no relatório do processo de averiguações aberto em 6 de outubro que os juízes dos três processos em que o antigo presidente do BPP foi julgado e condenado nos últimos anos não cometeram infrações disciplinares.