Esta terça-feira, dia 18 de janeiro, pelas 9 da manhã, deixei na creche o meu filho. Tem 15 meses e parece que sempre fez parte da minha história, da minha vida. E é a minha vida. Confio a vida dele em educadoras e auxiliares que se tornaram parte da nossa família. Segui para o meu trabalho. A cada dia, tento retribuir a confiança que em mim depositam, num exercício constante de exigência.
Um pouco depois do meio dia estava num centro de vacinação. Foi o meu dia da terceira dose contra a covid-19. Confiei no enfermeiro que me deu a vacina, na enfermeira com quem troquei algumas palavras, nos profissionais que mantêm a funcionar todas as roldanas desta operação. E, é claro, confio na própria vacina.
A confiança é um pilar necessário para vivermos e sobrevivermos na sociedade. Se é verdade que é o medo, ou receio, devidamente ponderados, que nos livram de riscos acrescidos que podem colocar em perigo a própria vida, existe essa dimensão quase catártica da confiança, que nos permite aceitar o que se apresenta como sendo seguro, essencial, vital.
Entre a creche e o trabalho, entre o trabalho e o centro de vacinação fui no meu carro, com indicações na estrada, que confio serem as mais certas para me levar em segurança ao meu destino. Confio no próprio carro e nos mecânicos que, periodicamente, o mantêm a funcionar, com a devida robustez e saúde.
Ao pequeno-almoço, ainda no trabalho, não questiono de onde vem a fatia de presunto colocada no pão, a origem do abacaxi ou a proveniência do chá verde. Acredito e confio. Quem me serve terá colocado diante do meu paladar o que de melhor e mais seguro tem para me oferecer.
Enquanto escrevo este texto, tenho diante de mim algumas janelas abertas. Confio na tecnologia que me permite aceder ao mundo digital. Numa dessas janelas, Hania Rani, ao piano, canta “Leaving”, tema extraordinário do álbum “Home”. E penso na minha casa. Confio em quem a construiu. Confio no elevador que me leva ao andar onde vivo. Talvez pudesse desconfiar de tudo isto. Com que propósito?
Existe uma enorme diferença entre questionar e duvidar, colocar em causa, sem o devido suporte lógico de argumentação. Aqui, neste ponto, é essencial a dimensão do sentido lógico e objetivo. Confiamos em quem sabe o que não sabemos. E devemos, é claro, saber aceitar que não sabemos. Depositamos essa confiança em especialistas, peritos, em quem vasculhou e aprofundou o conhecimento sobre uma determinada matéria para sacar uma área de especialização que lhe permita, com argumentos válidos, dizer que sabe, que está aqui para ajudar quem não pode ou consegue trilhar determinado caminho. São guias que nos permitem atravessar a escuridão do desconhecido.
Confio no pediatra que escolhi para o meu filho. Nos médicos que o acompanharam e acompanham, através do SNS, sempre que um susto ameaça um atropelo à saúde. Confio nas vacinas que já tomou, nos medicamentos que lhe são receitados. E em tudo o que me tem sido administrado, com conhecimento e razão ponderados pela ciência. E sempre que surge a tentação de questionar, de recorrer ao Dr. Google, percebo que estarei num risco iminente de pisar a linha do efeito Dunning-Kruger.
Confiamos na água que bebemos, no vinho que nos é servido, na carne e no peixe que nos é vendido, nos produtos dos supermercados. Seria uma afronta, uma ignomínia, uma verdadeira perda de tempo, uma chatice, ou até uma idiotice, questionar tudo e duvidar de tudo. Só porque sim, só porque não queremos entrar numa narrativa que é seguida por todos.
Em tempos, terá dito Bob Marley: “eles riem-se de mim porque sou diferente; eu rio-me deles porque são todos iguais”. Há momentos em que ser diferente pode marcar uma diferença pela positiva, realça uma idiossincrasia que enriquece o mundo, sublinha uma característica de personalidade que define um caráter no melhor da sua essência. A diferença assente na dúvida sem sustento de razão acarreta um perigo individual que se pode tornar coletivo.
E volto a confiar: no telefone que tenho no bolso, na roupa que visto, nas bandeiras que alertam para o perigo no mar, nos aviões que já me levaram daqui até ali, nos comboios que fizeram viajar do ocidente até ao oriente, no barco que atravessa o Tejo, nas pontes que ligam as duas margens deste mesmo rio, nos transportes públicos e em quem os guia.
Tudo isto tem-me permitido viver. E se a confiança que tenho, em certos momentos, resume-se apenas à minha esfera de existência, a minha decisão em confiar pode fazer parte, noutros momentos, de um esforço coletivo em nome de todos.
Confio, acima de tudo, na Ciência, no progresso. Confio nas autoridades nacionais e internacionais de saúde, que me dizem que determinados medicamentos ou vacinas são seguros. Mais que isso: são importantes em nome do bem comum, em linha com o que se pede numa luta em nome da saúde pública. Tento seguir o princípio da Navalha de Ockham: perante várias explicações para um problema, a mais simples tende a ser a mais correta. Sem subterfúgios para a verdade, sem ignorar os factos, sem ferir a razão.
Somos, hoje em dia, quase 8 mil milhões no planeta terra. E se, como espécie, evoluímos e continuamos a evoluir, devemos, e muito, a quem investiga, a quem procura respostas no emaranhado do desconhecido. É na indagação, na constante demanda pela certeza dentro do incerto que seguimos em frente; é na enorme dimensão dos grandes escritores, de Homero a Saramago (confio nas palavras deles para me construírem no meu progresso individual), dos grandes músicos e letristas, de Wagner a Ian Curtis 1(aqui, uma escolha muito pessoal), que podemos encontrar uma dimensão sublime e aceitar um crescimento de alma que nos permita alcançar uma certa plenitude de existência.