Cedo começou a trabalhar e foi como operário sindicalista que entrou a na carreira política. Faz questão de honrar a origem na classe operária, pela qual continua sempre disponível para “travar o combate”. Pai de duas filhas, benfiquista e fã dos The Beatles, filiou-se no PCP em 1974 e em 2004 assumiu o cargo de secretário-geral pela primeira vez. Amigos e camaradas elogiam a sua capacidade de comunicação e sentido de humor.
“Se o meu partido precisa de mim, cá estou para travar o combate”, estas foram as declarações finais de Jerónimo de Sousa ao programa da RTP “Grande Entrevista”, em novembro de 2021. As palavras recentes do secretário-geral do PCP mostram um dirigente que continua convicto na confiança que lhe é depositada pelos “camaradas de partido”.
À pergunta sobre se João Ferreira vai ser o seu sucessor, feita na mesma entrevista, Jerónimo de Sousa responde: “Nós não funcionamos assim”, escusando-se desta forma a dar uma resposta concreta sobre quem poderá vir a ocupar o seu lugar como secretário-geral do PCP, cargo que assumiu em 2004.
Sucessor de Carvalhas, eleito por cinco vezes para secretário-geral
Jerónimo de Sousa sucedeu ao economista Carlos Carvalhas, que foi o escolhido para substituir o histórico Álvaro Cunhal, em 1992.
Em novembro do ano passado, o Comité Central reunido no XXI Congresso Nacional do partido, em Loures, reelegeu Jerónimo. Em cinco votações, foi a primeira vez que recebeu um voto contra do Comité Central. Em 2004 foi eleito por maioria, com quatro abstenções, nas três reeleições seguintes (2008, 2012, 2016) teve apenas uma abstenção.
Em diversas entrevistas, incluindo à agência Lusa, perante perguntas sobre a sua forma física, Jerónimo sempre mostrou “disponibilidade grande” para continuar. Com 74 anos, questões de saúde obrigaram agora ao seu afastamento temporário das lides políticas e ditaram o adiamento da participação do secretário-geral na campanha das legislativas.
O PCP informou que “no seguimento de exames médicos e de uma avaliação clínica multidisciplinar foi apurada a necessidade de Jerónimo de Sousa ser submetido a uma intervenção cirúrgica urgente da estenose carotídea (à carótida interna esquerda), que não pode ser adiada para depois das eleições”.
A cirurgia, realizada a 13 de janeiro no Hospital Egas Moniz, “decorreu com êxito, tendo sido concretizados os objetivos cirúrgicos” da intervenção, esclareceu o partido no dia da operação.
Criado na classe operária, inicia a carreira política como delegado sindical
Jerónimo Carvalho de Sousa nasceu a 13 de abril de 1947, em Pirescôxe, na freguesia de Santa Iria de Azoia, no concelho de Loures, onde ainda hoje vive.
Começou a trabalhar aos 14 anos como afinador de máquinas na MEC – Fábrica de Aparelhagem Industrial. Já como operário, frequentou o antigo Curso Industrial, em Vila Franca de Xira. Interessa-se por questões sindicais e laborais, dando assim início a uma carreira política como delegado sindical.
Em 1973, fazia parte da lista que conseguiu a liderança do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa, passando a integrar a direção central, para a qual foi reeleito em 1992.
O contacto com o Partido Comunista Português começou nos anos 60, mas Jerónimo só se filiou no PCP em 1974. Chegou ao Comité Central em 1979 e tornou-se membro da comissão executiva nacional (1990 a 1992) e da comissão política.
Pai de duas filhas e ex-combatente na Guerra Colonial
Baptizado pela Igreja Católica, casou-se aos 19 anos com Ovídia e é pai de duas filhas, Marília e Lina.
Benfiquista e fã dos The Beatles, ajudou a fundar e dirigir a Associação Cultural e Desportiva local em Pirescôxe. Os amigos e camaradas de partido elogiam-lhe a capacidade de comunicação e o sentido de humor
Na década de 60, iniciou a sua atividade juvenil antifascista como dirigente da Coletividade 1.º de Agosto de Santa Iria, onde integrou diversos grupos de cultura e de teatro, dando também nessa altura início os seus contactos com o PCP.
Cumpriu o serviço militar entre 1969 e 1971, no Regimento de Lanceiros N.º 2 e foi destacado para a Guiné-Bissau, onde participou na Guerra Colonial.
Foi deputado à Assembleia Constituinte, de 1975 a 1976, e várias vezes eleito para a Assembleia da República, entre 1976 e 1992 e, de novo, em 2002, pelo Círculo de Setúbal.
Depois da candidatura presidencial em 1996, na qual desistiu a favor de Jorge Sampaio, voltou a entrar na corrida a Belém em 2006, tendo sido o único candidato a vencer um distrito a Cavaco Silva, o de Beja, e o segundo candidato a vencer em mais concelhos.
Deu o mote para a “geringonça” mas não teve o “passe de mágica” para a salvar
Em outubro de 2015, a declaração de Jerónimo de Sousa na noite eleitoral ficou para a história e fundou os alicerces da “geringonça”: “Com este quadro, o PS tem condições para formar Governo, mas têm de perguntar ao PS”.
Um mês de negociações com António Costa deu origem a um acordo inédito de governação à esquerda, juntamente com entendimentos dos socialistas com BE e PEV. Esta foi uma vitória política para Jerónimo de Sousa, que sempre fez questão de realçar as diferenças em relação ao Partido Socialista.
Em outubro de 2021, o chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2022 abriu caminho a uma crise política e à convocação de eleições antecipadas. Estava assim dado o ponto final à solução governativa da “geringonça”, salva no ano anterior pelo PCP, numa altura em que o Bloco votou contra.
Jerónimo ainda falou de um “passe de mágica” quando anunciou o voto contra, mas o primeiro-ministro respondeu numa clara demonstração do divórcio entre socialistas e comunistas: “Pedem-nos um passe de mágica, mas não há passe de mágica que nos permita ultrapassar o sentido de responsabilidade, equilíbrio e defesa do interesse nacional“, afirmou António Costa no Parlamento.
(NUNO VEIGA/LUSA)
O desafio de voltar a fazer crescer o PCP
Apesar do desfecho, o secretário-geral do PCP será sempre associado a uma solução governativa inédita em Portugal que fez unir os partidos de esquerda em torno de um Executivo que liderou os destinos do país.
Jerónimo tem agora pela frente o desafio de voltar a fazer crescer o PCP, tal como já o fez no passado.
Com Carvalhas na liderança, o partido passou dos 8,8% de votos (17 deputados no Parlamento) em 1991 para 6,94% (12) nas legislativas de 2002. Após Jerónimo ser eleito secretário-geral, já depois da candidatura à Presidência da República (1996) quando desistiu a favor de Jorge Sampaio, o partido, sempre com Os Verdes na Coligação Democrática Unitária (CDU), cresceu para 7,14% (14) em 2005, 7,86% (15) em 2009, 7,9% (16) em 2011, 8,25% (17) em 2015, mas voltou a descer para 6,3% (12) em 2019.
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