Fidel Castro 1926-2016

"Sem pausas. E sem pressas". Bienvenidos a Cuba.

Na televisão, o repórter da TV cubana explica que o povo continua chocado com a morte de Fidel, não se esperava esta notícia assim de repente. É um exagero, claro. Fidel tinha 90 anos, uma saúde debilitada há muito e o próprio tinha avisado os camaradas na última reunião magna do Partido Comunista Cubano que seria a última vez que estariam juntos.

"Sem pausas. E sem pressas". Bienvenidos a Cuba.

O exagero faz parte destes dias de luto e a televisão, que transmite as homenagens fúnebres em direto há várias horas, tem papel de destaque nesta construção do mito. Reportagens sobre Fidel, o herói da revolução, testemunhos emocionados sobre Fidel, o pai da nação Cubana.

Um desfiar permanente de memórias que só contam uma versão da história. É para esse ecrã que os jornalistas estrangeiros vão olhando de quando em vez para passar o tempo enquanto esperam.

Porque se a morte de Fidel não pode ter sido uma verdadeira surpresa, pelo menos aqui no centro de imprensa internacional, em Havana, parece.

A estrutura que atribui acreditações aos jornalistas estrangeiros não estava preparada para a avalanche de pedidos que chegaram nas últimas 48 horas.

D6 é a sigla do visto mais procurado, aquele que permite à imprensa trabalhar em Cuba. Normalmente pode demorar até 21 dias a ser atribuído. Mas admitem ser mais rápidos em situações excepcionais.

Os colegas da France 3 foram dos primeiros a conseguir. Chegaram no sábado à noite, sairam daqui antes da hora de almoço desta segunda-feira.

Giovanni Bello, repórter fotográfico do Folha de São Paulo, chegou a Havana para passar férias no dia em que anunciaram a morte de Fidel. Desde então continua aqui a tentar trocar o visto de turista pelo de imprensa. "Estou com pouco dinheiro e sem equipamento. Mas não vou desistir. Sou novo no trabalho, esta é uma oportunidade boa para mim, vou aproveitar." Boa sorte, dizem os jornalistas da Irlanda, do Chile, dos Estados Unidos, do Haiti, do Canadá, de Espanha, da Suíça, do México ou do Reino Unido.

O mundo aterrou de repente nas mãos dos funcionários do Centro de Imprensa. Apesar de cansados, eles sorriem e respiram fundo para não se perderem na confusão de jornalistas que estendem a mão e falam uns por cima dos outros para tentar safar-se mais depressa. "Tem de esperar, a minha colega já vem".

A colega não chega, as horas vão passando. Alguém recolhe um formulário, daqui a pouco as fotos. Já é um avanço. Mas muito lento. Quase não acontece nada. "Tem de esperar".

Lá fora, não muito longe daqui, a praça da Revolução continua com filas gigantes de cubanos que vão prestar homenagem, como é suposto.

Começaram a concentrar-se às 7 da manhã, as cerimónias estavam marcadas para as 9. Tudo organizado com 3 entradas devidamente assinaladas. As filas vêem-se de longe. Crianças e velhos, chegam os estudantes, agora os médicos, agora os enfermeiros, os professores. Ex-combatentes nas fileiras de Fidel, camaradas do partido, figuras do governo.

O Embaixador de Portugal em Havana já passou por lá, levou uma coroa de flores e assinou o livro de condolências.

Tudo isto vamos vendo pela televisão porque sem visto e sem acreditação nenhum jornalista pode chegar lá perto.

Já não há reportagem para o Jornal da Noite. O direto também está em risco. Passou mais uma hora e está tudo na mesma.

Como é possível ouvir outra vez "tem de esperar"?

Há um ditado atribuído a Raul Castro que explica: "Sem pausas. E sem pressas". Bienvenidos a Cuba.