Revista do Ano 2019

Olafur Eliasson: pode a arte mudar o mundo?

O projeto artístico de Olafur Eliasson não podia ser mais pertinente no contexto atual de preocupação generalizada com as alterações climáticas e a sustentabilidade do planeta mas, a verdade, é que o dinamarquês-islândes anda há mais de 30 anos a fazer arte para mudar o mundo.

Olafur Eliasson: pode a arte mudar o mundo?
Fabrizio Bensch

Em setembro, inaugurou-se oficialmente, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, a primeira exposição, em Portugal, de Olafur Eliasson.

Olafur Eliasson pela primeira vez em Portugal

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Uns meses antes, aquando da montagem da exposição “Y/our Future is Now” tinha estado à conversa com o artista nascido há 52 anos em Copenhaga. Apesar de ser indiscutivelmente uma das grandes figuras da arte mundial, Olafur é o género de pessoa que transporta a própria cadeira através do Parque quando decidimos alterar a localização da entrevista. Em passo estugado vai fazendo observações acerca das esculturas com que nos vamos cruzando, não esquecendo os elogios ao parque e à meteorologia sempre acolhedora para um homem que vem do frio.

A natureza e a forma como nos relacionamos com ela são questões absolutamente centrais na vida de Olafur.

Começou a interessar-se por estes assuntos na infância, dividida entre a Dinamarca onde vivia com a mãe, e a Islândia, onde passava temporadas com o pai a desenhar paisagens.

Desde o início que o seu projeto artístico reflete preocupações com o meio ambiente e com a ciência mas foi com o “The Weather Project”, em 2003, uma espécie de sol gigante que se instalou na Turbine Hall da Tate Modern, em Londres, que o mundo despertou para o seu génio. Num artigo de um jornal britânico li, recentemente, declarações de um responsável da Tate que confessava que as expetativas mais conservadoras apontavam, na altura, para cem mil visitantes.

A verdade é que “The Weather Project” foi visto e sentido por mais de dois milhões de pessoas.

Precisamente este ano, quando se estreia em Serralves, Olafur tem uma retrospetiva na Tate Modern chamada “In Real Life”, o seu trabalho foi protagonista de um documentário de cerca de uma hora na BBC, em horário nobre, e vai sendo difícil estar a par de todas as intervenções artísticas mas também cívicas que vai fazendo pelo mundo.

Tudo começa no seu quartel-general instalado em Berlim. O Studio Olafur Eliasson é muito mais do que um estúdio de artista mas antes um laboratório de valências diversas, onde uma equipa multidisciplinar de mais de cem pessoas, incluindo artesãos, arquitetos, designers, arquivistas, historiadores, cozinheiros (sim, a cozinha do Studio é quase tão espetacular como tudo o resto) e outros, trabalha no sentido de investigar, produzir e instalar projetos artísticos, quase sempre de grandes dimensões, mas também investigar e experimentar formas de mudar o mundo.

Por exemplo, o projeto social Little Sun (https://littlesun.com/projects/) que promove a consciencialização global paraa necessidade de igualdade no acesso à energia e que se propõe distribuir energia limpa a comunidades sem acesso à eletricidade em zonas desfavorecidas do planeta saiu, tal como tantos outros, do laboratório do Studio.

Mas são, obviamente, os projetos artítisticos que elevam o nome de Olafur à categoria de super star. Atualmente, no Museu de Arte de Reiquiavique, na Islândia, apresenta-se uma séria fotográfica intitulada “The glacier melt series 1999/2019” que reflete, segundo o artista, as consequências da ação humana na natureza.

São também célebres as intervenções em espaço público: as séries “Ice Watch”, primeiro em Copenhaga, em 2014, depois em Paris, durante a Cimeira do Clima e o ano passado em Londres, consistindo num conjunto de pedaços de um fiorde da Gronelândia, instalado no espaço público que foi derretendo à vista dos mais ou menos interessados transeuntes; ou as espetaculares cascatas artificiais de 40 metros de altura, erguidas, em 2008 no rio Hudson, em Nova Iorque, e 8 anos depois nos Jardins do Palácio de Versalhes, construídas a partir do princípio matemático de Curva Clelia.

Sobre elas diz Olafur Elissson que quando vemos água a cair nos apercebemos da passagem do tempo e da forma como a passagem do tempo muda o espaço. “As quedas de água são, num certo sentido”, afirma, “máquinas de espaço, cheias de poesia e sonhos”.

Benoit Tessier

Alguns dos trabalhos de Olafur Eliasson chegaram então, pela primeira, a Portugal. A exposição de Serralves acontece na relação entre o parque exterior e o interior do museu desenhado por Álvaro Siza. Logo à entrada o visitante é recebido pela “Floresta Amarela”, obra que relembra a importância das florestas como espaço de encontro.

Nos caminhos do parque também o “Vórtex Curioso” é uma espécie de local de encontro e reflexão, inspirado no conceito de “pavilhão inglês” é uma estrutura em aço inoxidável de 5 metros de altura e 8 de diâmetro que pretende despertar tempestades de ideias. Mais adiante na Clareira dos Teixos encontramos espirais de aço, também de grandes dimensões, que levam a designação de “O Tempo Humano é Movimento. Inverno.Primavera.Verão”.

Já noutros locais do parque, é impossível ficarmos indiferentes aos “Serralves Driftwoods”, enormes troncos de árvore que por força das correntes deram à costa na Islândia e que agora, após intervenção artística, se transformam em esculturas gigantes.

Olafur Eliasson

Quando perguntamos a Olafur se a arte pode mudar o mundo, ele não hesita. Acredita mesmo que a arte é um motor de mudança global e que está, aos poucos, a conquistar terreno. Defende a ideia de que a cultura, num momento em que o mundo é dominado pelos grandes interesses económicos e em que os sistemas democráticos se debatem com crises de confiança, pode constituir-se como uma espécie de parlamento democrático e altruísta (por oposição aos mecanismos egoístas do capitalismo) em que os assuntos “difícieis” podem continuar a ser discutidos. “Penso que a arte, enquanto sistema cívico, enquanto sistema europeu, enquanto sistema global, pode ajudar a mudar o mundo”.

Em matéria de alterações climáticas e face à urgência planetária em que vivemos, Olafur diz que “Podemos fazer muita coisa individualmente. Esperar que os políticos o façam, claramente, não está a resultar. (…) As obras que aqui estão no parque abordam, de algum modo, a ideia de dormência, de como nos sentimos, de que é feito o nosso mundo e de que forma nos relacionamos com isso”. Mais à frente na conversa há-de questionar-se: “O que vamos fazer agora, para onde vamos agora?” e mesmo sendo um assumido “prisioneiro da esperança”, citando Desmond Tutu, admite que, de facto, não vê mudanças, “não vejo mesmo.“

Neste balanço entre a crença e a descrença no humano não é difícil perceber que Olafur é um otimista, mais que não seja porque nunca desiste e porque a sua cabeça está sempre a cozinhar novas ideias para salvar o futuro.

E ele nem viu, como eu vi, a forma como miúdos de uma escolinha em visita a Serralves se apropriaram imediatamente das esculturas chamadas “Driftwoods” para as suas brincadeiras, ainda mal a tinta aplicada aos destroços tinha secado. Não viu mas tenho a certeza que teria gostado.