A Sociedade Portuguesa de Acidente Vascular Cerebral considerou esta terça-feira que o aumento das mortes por AVC no primeiro ano da pandemia deveu-se ao atraso na procura de cuidados, reorganização de serviços e desvio de meios dos cuidados de saúde primários.
“O grande fator deste aumento de óbitos por AVC [Acidente Vascular Cerebral] é a pandemia, direta ou indiretamente. Davam-nos números diários dos óbitos por covid-19 e nós alertávamos que esses números, ainda assim, seriam menores do que as mortes por AVC”, disse à agência Lusa o vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Acidente Vascular Cerebral (SPAVC), João Sargento Freitas.
Os dados da mortalidade de 2020, revelados na segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), indicam um aumento de 4,2% nas mortes por acidentes vasculares cerebrais, com um total de 11.439 óbitos, mais do que por covid-19 (7.125) que foi a segunda causa de morte em Portugal.
Segundo o INE, as doenças do aparelho circulatório foram as que mais mataram em Portugal no ano 2020, com 34.593 óbitos (+2,9%). Destas, o instituto destaca a subida nas mortes por AVC (11.439) e, em contrapartida, a descida nos óbitos por doença isquémica do coração (6.838) e por enfarte agudo do miocárdio (4.086).
Em declarações à agência Lusa, o vice-presidente da SPAVC diz que o impacto negativo da pandemia – no caso das mortes por AVC – é multifatorial, e explica.
“Por um lado, na primeira vaga, as pessoas recorriam menos às urgências dos hospitais, mas houve igualmente um desvio da atenção nos cuidados de saúde para a covid-19, deixando de parte outras doenças”.
“Pode ter havido receio de ir as urgências, (…) as pessoas estavam mais relutantes e esperavam para ver se havia reversão e os atrasos nestas doenças são um ponto crítico. Por outro lado, o ónus está também nos cuidados de saúde, pois houve uma reorganização a nível hospitalar e igualmente um desvio de meios na prevenção, nos cuidados de saúde primários”, concluiu.
Para João Sargento Freitas, “os médicos de família foram desviados para a covid-19 e não puderem fazer prevenção, como controlar a tensão, a diabetes e outros fatores de risco aos seus doentes”, insistiu o especialista, sublinhando que “todas as nossas opções na saúde têm um preço”.
O especialista apontou igualmente a reorganização de serviços intrahospitalares, com a criação de circuitos próprios para doentes covid-19, considerando que que os outros circuitos “sofreram um bocado”.
“Houve um grande esforço nas unidades de AVC para que a covid as afetasse o menos possível, mas sei que há centros que tiveram grandes dificuldades e outros em que as unidades de AVC foram transformadas em unidades para doentes covid”, adiantou.
Doenças do aparelho respiratório mataram mais 4.141 pessoas do que a covid-19
Insiste que estes números “vêm reforçar a ideia de que não nos podemos esquecer destas doenças porque a principal causa de morte não foi a covid” e que “desanimam um pouco”.
“Em Portugal, nos últimos anos, estava a decrescer a mortalidade por AVC e nós estávamos contentes com isso”, explicou.
“A prevenção e os tratamentos tinham vindo a melhorar, as técnicas cada vez são melhores, houve desenvolvimentos na prevenção e estávamos igualmente melhor em termos de armas, mas houve muita dificuldade para que essas armas chegassem à população”, explicou o vice-presidente da SPAVC, insistindo, contudo, que os valores agora revelados “têm de ser agora analisados e compreendidos ao pormenor”.
De acordo com os dados do INE, no primeiro ano da pandemia registaram-se 7.125 óbitos devido à covid-19, representando 5,8% do total de óbitos ocorridos no país e constituindo a segunda principal causa de morte, depois das doenças do aparelho circulatório.
Já as doenças do aparelho respiratório, que em conformidade com o definido pela Organização Mundial da Saúde para a classificação estatística internacional de doenças não incluem a covid-19, mataram 11.266 pessoas.