"Os muitos anos, ai de mim, já me impedem, de receber pessoalmente o prémio", escreve Trevisan, 86 anos, em carta datada de 22 de maio, enviada por fax a 28, mas só recebida pela Secretaria de Estado da Cultura (SEC) na segunda-feira, através de uma editora do autor brasileiro.
Na missiva, o autor de "O Vampiro de Curitiba" afirma que "jamais" pensou "merecer tamanha e generosa distinção". "A consciência de minhas limitações como escritor me proibiu sonhos mais altos. E agora, sem aviso, o Prêmio Camões. O prêmio dos prêmios de Literatura". "Não mereço, quem sabe. Mais não pude com as poucas forças. Não fosse indomável a língua. Não tivesse o conto mais fim que novo começo", escreve Trevisan,
A carta é endereçada ao secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, a quem só na segunda-feira chegou via e-mail, apesar da data de envio do telefax ser do dia 28, como atesta o registo da Livraria do Chain, em Curitiba, que garante o contacto do escritor brasileiro com o mundo exterior.
No dia em que foi conhecida a escolha de Trevisan, vários os jurados presentes na sessão referiram a dificuldade de contactar o escritor que é apelidado, "entre os camaradas de letras, como 'O Vampiro de Curitiba'", onde reside, pelo facto de nunca ser visto, não ir a cerimónias nem convívios literários ou sociais, e ser difícil encontrá-lo, "tendo-se de usar o telefone ou o telefax da livraria perto de sua casa", contou na ocasião Silviano Santiago que presidiu ao júri. "O Vampiro de Curitiba" é também o título de uma das suas mais conhecidas obras, publicada em 1965.
No prefácio da edição portuguesa de "Cemitério de Elefantes", a única obra do escritor editada em Portugal, lançada pela Relógio d'Água, em 1984, o jornalista e escritor português Fernando Assis Pacheco já fazia apelo às palavras do escritor Otto Lara Resende, falecido em 1992, para cataterizar o seu companheiro de letras: "Ninguém sabe quem é Dalton Trevisan. Deus mesmo não sabe e nem por isso se impacienta".
O Prémio Camões, no valor de cem mil euros, foi instituído em 1988 pelos Governos de Portugal e do Brasil e, segundo o texto do protocolo constituinte, consagra anualmente "um autor de língua portuguesa que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum".
O júri desta 24. edição do Prémio foi formado por Alcir Pécora, da Universidade de Campinas, no Brasil, Rosa Martelo, da Faculdade de Letras do Porto, Abel Barros Baptista, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas de Lisboa, a poetisa angolana Ana Paula Tavares, o escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho e o crítico, ensaísta e escritor brasileiro Silviano Santiago.
O júri afirmou que a sua escolha por unanimidade "significa uma opção radical pela literatura enquanto arte da palavra" e destacou também a obra sem concessões à vida social do escritor, que se distinguiu, em particular, na arte do conto. "Vozes do Retrato - Quinze Histórias de Mentiras e Verdades" (1998), "O Maníaco do Olho Verde" (2008), "Violetas e Pavões" (2009), "Desgracida" (2010) e "O Anão e a Ninfeta" (2011) são algumas das últimas obras de Dalton Trevisan.
Em 2011, o autor recebeu novamente o Jabuti - o maior prémio literário brasileiro que já lhe tinha sido atribuído em 1965 - na categoria de contos e crónicas, com o livro "Desgracida". Como era de se esperar, Trevisan manteve-se em Curitiba e enviou um representante à cerimónia de entrega do prémio.
Lusa