Otto Preminger (1905-1986) não será propriamente um cineasta esquecido, mas é um facto que, quando revisitamos a paisagem imensa do classicismo de Hollywood, nem sempre reconhecemos a sua importância enquanto produtor/realizador. “Anatomia de um Crime”, agora disponível em streaming, poderá ser uma boa e muito sugestiva porta de entrada no seu universo.
Trata-se um título de 1959, numa altura em que a produção dos grandes estúdios começava a ser marcada pelos efeitos de uma nova (e muito talentosa) geração de realizadores formados no espaço televisivo. Preminger mantém-se, por assim dizer, fiel à tradição, encenando um drama de tribunal, também tradicionalmente centrado na personagem de um advogado que, face à acusação de homicídio do seu cliente, quer fazer prevalecer a verdade — é uma personagem que “encaixa” como uma luva na figura de James Stewart (na altura com 51 anos), um dos actores de Hollywood que mais e melhor encarna uma complexa noção de naturalidade épica.
Seja como for, sobretudo pelas subtilezas com que aborda as relações masculino/feminino, “Anatomia de um Crime” não deixa de ser um filme muito atento às transformações de usos e costumes sociais. Nessa medida, este drama intenso envolve também um elaborado fresco social, reflectindo o “estado das coisas” em finais da década de 50.
Para lá da excelência do elenco — que inclui ainda, entre outros, Lee Remick, Ben Gazzara, Eve Arden e George C. Scott —, Preminger conta com um notável leque de colaboradores, sendo “obrigatório” destacar dois nomes: Saul Bass, responsável pelo genérico de abertura, e Duke Ellington, compositor da banda sonora original — as suas contribuições podem ser devidamente apreciadas nesta espectacular abertura [video] de “Anatomia de um Crime”.