Com a estreia de “Mães Paralelas”, embora contando uma história contemporânea, Pedro Almodóvar regressa às memórias da Guerra Civil de Espanha. Vale a pena, a propósito, recordar outro dos seus títulos marcado por temas da história espanhola: “Má Educação” é uma produção de 2004 em que Almodóvar faz o retrato de dois alunos de um colégio católico, em meados da década de 60, em plena ditadura franquista.
Curiosamente, o filme, dominado por uma excelente interpretação de Gael García Bernal, propõe também um ziguezague temporal: tudo começa com esses dois alunos, já adultos, no início dos anos 80 quando se reencontram inesperadamente, ambos a trabalhar no mundo do cinema — um é actor, outro realizador.
Afinal, o projecto que o realizador quer concretizar tem que ver, precisamente, com a revisitação da sua adolescência e, muito em particular, com a descoberta de uma homossexualidade fortemente reprimida. Quer isto dizer que Almodóvar coloca em cena o passado, não como uma “lembrança” automática, antes como um exercício de perscrutação de memórias, ora doloroso, ora libertador.
“Má Educação” é especialmente subtil na forma como faz o contraponto de duas épocas — de um tempo de acerto de contas com o passado até esse mesmo passado em que, ironicamente, o rosto e as canções de Sara Montiel existiam como elementos fulcrais do imaginário juvenil. Em resumo, na trajectória de Almodóvar, este é um dos trabalhos mais pessoais e também mais empenhados em reflectir sobre a história do seu país.