À beira dos 60 anos (nasceu em Atlanta, Georgia, a 14 de janeiro de 1963), Steven Soderbergh continua a ser um dos cineastas dos EUA em relação ao qual faz sentido aplicar o rótulo de “independente”. É verdade que ele tem trabalhado regularmente com grandes estúdios — lembremos a magnífica série iniciada com “Ocean’s Eleven” (2001), com chancela da Warner Bros. —, mas não é menos verdade que sempre soube preservar a sua condição de criador autónomo, por vezes experimentando caminhos genuinamente originais. Assim acontece em “Kimi”, uma produção deste ano que não chegou às salas portuguesas e já pode ser vista em streaming.
O título refere-se a uma daquelas máquinas caseiras que respondem à voz dos respectivos habitantes (“smart speaker”), garantindo muitas tarefas do dia a dia, desde ligar e desligar as luzes até pôr a funcionar a máquina do café… Angela Childs, a personagem central magnificamente interpretada por Zoë Kravitz (foi Catwoman no último Batman, com Robert Pattinson), trabalha para a empresa criadora da Kimi. Sofrendo de agorafobia, vai cumprindo as suas tarefas sem sair de casa, evitando qualquer contacto directo com outros seres humanos, até que começa a suspeitar dos interesses económicos que se movem em torno da Kimi — a ponto de perceber que pode estar em jogo a sua própria vida…
O mais espantoso no trabalho de Soderbergh é a capacidade de abordar uma temática de evidente actualidade (as relações entre vida pública e espaço privado) sem nunca transformar o seu filme num “sermão” mais ou menos político ou sociológico. Nada disso: “Kimi” é um subtil e sofisticado “thriller” e, nessa medida, um dos filmes mais originais que o cinema americano produziu neste ano de 2022