Cultura

Sessão de Cinema: “A Assistente”

Julia Garner em "A Assistente": uma actriz invulgar numa personagem de rara complexidade
Julia Garner em "A Assistente": uma actriz invulgar numa personagem de rara complexidade

Primeira longa-metragem de ficção da australiana Kitty Green, esta é uma notável encenação de um caso de assédio sexual.

Tamanho não é qualidade… Eis uma frase tradicional, normalmente aplicada aos bens essenciais de consumo, mas que pode fazer sentido no mundo da difusão do cinema. Exemplo? O filme americano “A Assistente”, pequena produção independente que foi um dos grandes acontecimentos do Festival de Berlim de 2020, infelizmente não exibida nas salas portuguesas…

Trata-se da primeira longa-metragem de ficção da australiana Kitty Green (nascida em 1984, em Melbourne), também responsável pelo argumento. A assistente a que o título se refere é Jane, secretária do chefe de uma empresa produtora de filmes. As suas tarefas rotineiras — gerir a agenda do patrão, preparar as suas reuniões, garantir a limpeza do seu gabinete, etc. — vão sendo contaminadas por um crescente mal-estar. Para lá do autoritarismo a que é sujeita, Jane começa a perceber que está ao serviço de um homem que se comporta como um predador sexual das actrizes ou outras “secretárias” que contrata… E os seus colegas masculinos aconselham-na a não fazer ondas…

Como a imprensa americana sublinhou, “A Assistente” ecoa o caso do produtor Harvey Weinstein e as posições do movimento #MeToo, denunciando o assédio de muitas mulheres nos seus locais de trabalho, em particular no interior da indústria cinematográfica. Nesse aspecto, o filme ficará, por certo, como testemunho contundente de um momento muito concreto da história do masculino/feminino nos EUA.

Ao mesmo tempo, importa acrescentar que Kitty Green está muito longe de procurar criar uma narrativa banalmente simbólica, muito menos panfletária. Se “A Assistente” é um objecto tão forte, e também tão perturbante, isso resulta do facto de nunca se contentar com abstrações fáceis, antes encenando um sistema de relações de um conjunto muito particular de personagens.

Jane, muito em especial, é uma personagem de rara densidade psicológica, oscilando entre o repúdio pelo que vai descobrindo e o receio de perder o seu emprego — Julia Garner interpreta-a através de uma sábia dialéctica de intensidade e contenção, ela que vai ser protagonista de um filme biográfico sobre Madonna.

TVCine

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