A ideia segundo a qual a dimensão fantástica de algum cinema contemporâneo possui qualquer coisa de original, nunca experimentada pelos filmes “antigos”, é um enorme equívoco. Eis um exemplo eloquente, com assinatura de uma dupla de génio do classicismo britânico: Michael Powell e Emeric Pressburger (o primeiro inglês, o segundo nascido na Hungria).
Agora disponível em streaming, “Um Caso de Vida ou de Morte” começa por se inscrever na tradição do filme de guerra e, mais concretamente, no desenvolvimento desse género (de ambos os lados do Atlântico) no imediato pós-Segunda Guerra Mundial — tem data de 1946.
No início, conhecemos Peter, piloto de um avião que, em maio de 1945, depois de uma missão nos céus da Alemanha, regressa à Grã-Bretanha através do Canal da Mancha. Uma súbita avaria obriga-o a lançar-se ao mar, para mais sabendo que o seu para-quedas foi destruído. A última voz que ouve é a de June, uma operadora de rádio com quem talvez pudesse viver o amor que sempre lhe faltou…
Tudo isto acontece sob a vigilância das autoridades divinas que, como é hábito, estão representadas por um enviado que assegura o “transporte” dos que morrem para a sua vida celestial. O certo é que Peter não morre, encontra June e não aceita que o retirem da vida terrestre. Conclusão: terá que ser julgado pelo tribunal divino…
Não é um filme de ficção científica, mas também não se trata de uma parábola religiosa. “Um Caso de Vida ou de Morte” apresenta-se, afinal, como uma fábula sobre o amor, a sua possibilidade… ou impossibilidade. O que interessa Powell/Pressburger é a vibração poética de uma história que apela ao cinema como paisagem surreal dos desejos humanos.
Com um par inesquecível — David Niven e Kim Hunter —, este é um filme com uma insólita dimensão experimental, a ponto de combinar de forma muito sugestiva as cores e o preto e branco. Vale a pena recordar que a qualidade da sua cópia restaurada (aliás, como vários outros filmes da dupla) se deve à ação de Martin Scorsese, um dos seus assumidos discípulos.
Filmin