João Lopes

Comentador SIC Notícias

Cultura

Sessão de Cinema: “Made in USA”

Anna Karina marcou a vida e a obra de Jean-Luc Godard ao longo da década de 1960 — esta foi a derradeira longa-metragem que fizeram em conjunto.

Anna Karina em "Made in USA": cruzando as convulsões da política e a especulação da ficção científica
Anna Karina em "Made in USA": cruzando as convulsões da política e a especulação da ficção científica

A actriz Anna Karina (1940-2019) foi casada com Jean-Luc Godard (1930-2022), ao mesmo tempo surgindo na maior parte dos filmes que ele realizou na década de 60. “Made in USA” foi, por assim dizer, o título de despedida, uma vez que quando foi lançado, em 1966, o divórcio do casal já estava concluído.

Tal como tinha acontecido em 1963, com “O Soldado das Sombras” (também com Karina), Godard reflecte sempre as convulsões do tempo em que os filmes foram gerados. Nesse primeiro caso, era a guerra da Argélia que assombrava as relações das personagens; em “Made in USA”, o dispositivo é algo diferente, já que a acção se projecta num futuro próximo, num insólito exercício de quase ficção científica centrado na acção de uma jornalista (Karina, de novo) que investiga a morte misteriosa de um militante político, seu ex-namorado…

Combinando referências concretas à geo-política de meados dos anos 60 com situações assumidamente ficcionais, “Made in USA” é, afinal, um espelho amargo de uma conjuntura de profunda descrença, quer nas estratégias dos grandes poderes económicos e militares, quer nas acções de muitos protagonistas da cena política — vale a pena lembrar que, historicamente, tais componentes desembocariam nas convulsões sociais de Maio 68.

O impacto intemporal de “Made in USA” é tanto mais forte quanto o filme não procura qualquer naturalismo, antes organizando-se como uma série de quadros dramáticos, de cores vivas e contrastadas, claramente influenciadas pela Pop Art. Em boa verdade, o cinema de Godard está todo ele marcado pelas convulsões das artes visuais do século XX.

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