João Lopes

Comentador SIC Notícias

Cultura

Quando ainda havia superproduções…

Foi há sessenta anos que “Cleópatra”, com Elizabeth Taylor e Richard Burton, surgiu nas salas de cinema — a sua grandiosidade corresponde a um momento único da evolução de Hollywood.

Elizabeth Taylor no papel de Cleópatra: memórias gloriosas do cinema dos anos 60
Elizabeth Taylor no papel de Cleópatra: memórias gloriosas do cinema dos anos 60

Há sessenta anos, o verão cinematográfico foi dominado pelo lançamento bombástico de “Cleópatra”, o filme de Joseph L. Mankiewicz sobre os amores funestos da rainha do Egipto com o romano Marco António… Em 1963, a superprodução era ainda um modelo de espectáculo eminentemente popular, mesmo se o orçamento de “Cleópatra” colocou sérios problemas à sua imediata rentabilização. Além do mais, as especulações de alguma imprensa em torno da relação amorosa dos dois intérpretes principais — Elizabeth Taylor e Richard Burton — envolveram o filme numa aura de “escândalo” que, para o melhor e, sobretudo, para o pior, esbateram o seu real valor cinematográfico.

Agora que, para todos os efeitos, “Cleópatra” ocupa um lugar inamovível na história e na mitologia dos anos 60, valerá a pena recordar que a noção de superprodução, tal como foi praticada na época (pelo menos desde 1957, com “A Ponte do Rio Kwai”, de David Lean), pouco ou nada tem a ver com os filmes mais caros que, hoje em dia, continuam a exibir a chancela de algum grande estúdio de Hollywood.

Dito de outro modo: a ostentação tecnológica dos super-heróis da Marvel e afins corresponde a um estado de coisas que está longe de “repetir” a conjuntura em que surgiu um filme como “Cleópatra”. De facto, a partir de finais da década de 50 e, pelo menos, durante a primeira metade da década seguinte, a superprodução decorria de uma noção de grandeza física — logo, também espectacular — que procurava combater a concorrência crescente da televisão (e do seu pequeno ecrã). Hoje em dia, mesmo as mais caras produções do cinema americano são quase sempre “condenadas” a uma passagem breve pelas salas, acabando por obter o essencial do seu rendimento nas plataformas de “streaming”.

“Cleópatra” corresponde, assim, a um modelo de cinema em que o espectáculo nasce ainda, não da ostentação de efeitos “especiais”, mas de uma dimensão humana que continuava a utilizar (e celebrar) o talento e as singularidades dos actores. Rezam as crónicas que os muitos dramas de produção que o filme enfrentou desiludiram de tal modo Mankiewicz que ele achou por bem nunca mais voltar a falar publicamente do filme (faleceu a 5 de fevereiro de 1993, poucos dias antes de completar 84 anos) — o certo é que o seu legado é mais forte do que o seu silêncio.