Cultura

“Música no Coração”, ou o segredo de Christopher Plummer

Afinal, o lendário filme de 1965 ainda tinha um segredo por revelar: embora tenha sido dobrado na versão final, o actor Christopher Plummer deu voz às canções da sua personagem.

Christopher Plummer e Julie Andrews durante a rodagem de "Música no Coração"
Christopher Plummer e Julie Andrews durante a rodagem de "Música no Coração"

Para a geração dos que viveram a infância e a adolescência nas décadas de 1960/70, o filme “Música no Coração” (“The Sound of Music”), de Robert Wise, tem qualquer coisa de memória familiar cruzada com os sobressaltos da história (pessoal ou colectiva). Estreou-se nos EUA em março de 1965 (chegaria a Portugal em janeiro do ano seguinte). Nele se conta a história de uma noviça de um convento austríaco, em meados dos anos 1930; é-lhe atribuída a função de cuidar dos filhos de um viúvo, oficial da Marinha, assim nascendo um romance inesperado, tendo por pano de fundo, não apenas as inevitáveis atribulações familiares, mas também a inquietante ascensão do nazismo…

Com Julie Andrews e Christopher Plummer nos papéis principais, o filme consegue conciliar a dimensão romântica com as canções — trata-se, aliás, da adaptação de um musical da Broadway, estreado em 1959, tendo como base a história verídica da família von Trapp —, ao mesmo tempo construindo uma parábola pacifista de exaltação da liberdade. Para lá do seu sucesso global, foi consagrado nos Óscares de Hollywood, arrebatando cinco estatuetas douradas, incluindo a de melhor filme de 1965.

Pois bem, esta história épica, de uma só vez cultural e económica, está à beira de ser actualizada. O pretexto é a comemoração dos 60 anos do lançamento do filme (mesmo faltando ainda mais de um ano…). De facto, acaba de ser editada em CD e LP uma nova versão da respectiva banda sonora. Porquê nova? A edição integra muitas versões alternativas registadas durante a produção, mas não é essa a verdadeira novidade… Acontece que, desta vez, vamos poder escutar as canções do Capitão von Trapp interpretadas pelo próprio Christopher Plummer!

É verdade: as canções da personagem central de Maria sempre existiram na voz de Julie Andrews, mas Plummer foi dobrado por Bill Lee, cantor que, aliás, se especializou nesse tipo de tarefa (contribuindo, por exemplo, para muitas bandas sonoras de produções dos estúdios Disney). Acontece que a escolha de Bill Lee pela 20th Century Fox resultou do facto de os produtores considerarem que a sua voz era mais “profissional” e, nessa medida, mais adequada para a personagem de von Trapp.

Na prática, Plummer cantou mesmo durante as filmagens, mas a sua voz ficou arquivada — só agora, quase seis décadas depois, está a ser revelada ao mundo. O menos que se pode dizer é que a descoberta tem qualquer coisa de genuinamente surpreendente, já que não será preciso ser um musicólogo ou um maestro para reconhecer que o actor revela subtis qualidades de cantor — descubra-se, aqui em baixo, a cena em que ele canta o conhecidíssimo tema “Edelweiss”.

Ninguém dirá que a estrutura do filme passou a ser diferente, mas esta notícia envolve uma curiosa moral artística: a verdade intrínseca (sonora, neste caso) de um filme pode ser alterada pela própria história das suas versões ou conversões. Resta saber se, em 2025, para comemorar a efeméride, os detentores do filme (a Fox, recorde-se, passou a integrar o império Disney) terão a coragem rudimentar de repor “Música no Coração”… com as canções do Capitão von Trapp na voz de Christopher Plummer — esperemos que sim.