O cinema de Wim Wenders continua a ser verdadeiramente internacional, no sentido em que, através de muitos dos seus filmes, o realizador alemão vai realizando viagens por cenários e histórias de diferentes países — assim acontece com o recente “Dias Perfeitos”, estreado no Festival de Cannes e agora lançado nas salas do nosso país.
Vale a pena, por isso, relembrar que a filmografia de Wenders inclui várias experiências portuguesas, com inevitável destaque para esse título que lhe valeu o Leão de Ouro do Festival de Veneza de 1982: “O Estado das Coisas”, retrato de uma equipa internacional que está a rodar um filme na zona de Sintra, confrontando-se com dificuldades orçamentais aparentemente impossíveis de superar…
Até certo ponto, o filme é um reflexo das próprias atribulações pessoais de Wenders, na altura enfrentando sérias dificuldades para concluir o projecto de “Hammett”, filme rodado na Califórnia com produção de Francis Ford Coppola. Foi, precisamente, nesse período de impasse que Wenders se deslocou a Portugal para filmar “O Estado das Coisas”, contando com o apoio, na qualidade de produtor associado, de Paulo Branco.
O filme tem qualquer coisa de apocalíptico, no sentido em que reflecte o fim de um certo tipo de produções independentes cada vez mais difíceis de organizar, sobretudo quando prevalecem os critérios lucrativos de algumas estúdios mais poderosos. Daí o tom de estranha sedução poética de “O Estado das Coisas”: as personagens parecem estar à beira de um insuperável bloqueio do seu trabalho, mas resistem por amor ao cinema — e em defesa do cinema.
No elenco, sintomaticamente, encontramos três cineastas algo “marginais” dos EUA: Samuel Fuller, Robert Kramer e Roger Corman. E ainda nomes como Isabelle Weingarten, Patrick Bauchau e Allen Garfield; sem esquecer, em pequenas participações, intérpretes portugueses como Artur Semedo e Adelaide João. Rodado há mais de 40 anos, “O Estado das Coisas” é o retrato de um tempo bem diferente do actual, mas com uma visão apaixonada do trabalho cinematográfico cuja energia e emoção não se perderam.