Desde pequena que o mundo artístico tomou conta do seu dia-a-dia. Passou por áreas como o teatro e a pintura, mas nada a preenchia mais do que a música. Contudo, Andreia Monteiro - atualmente conhecida por Dreia - de 28 anos, sempre acreditou que o sonho de ser cantora seria inatingível.
“Eu cantava todos os dias, mas era sempre às escondidas. Desde muito pequenina que acreditava que não cantava bem. E para ser cantora precisava de cantar bem”, começa por contar em entrevista à SIC Notícias.
Esse modo de pensar, mas também a pressão dos pais para que seguisse “uma profissão a sério”, fez com que Andreia optasse por um rumo académico diferente daquele que idealizara.
“Para a minha família, a arte era mais como um hobby. Ainda que me apoiassem em tudo o que fossem aulas extracurriculares, workshops… não podia desenvolver a arte de um modo profissional. Até no ensino secundário tive de seguir ciências, porque era o caminho esperado para mim."
Foi na altura de escolher um curso superior que deu o primeiro passo para enfrentar a família, pois tinha a certeza de que o seu percurso profissional não passava pela área científica. Entre conversas e negociações, a jovem chegou a um consenso com os seus pais e o jornalismo surgiu na sua vida. “A escrita também era uma forma de arte para mim”, conta. “E, para a minha família, o jornalismo era um curso que me podia garantir um futuro”.
Seguiu-se uma licenciatura em Comunicação Social e Cultural na Universidade Católica de Lisboa, um interrail e ainda um intercâmbio profissional, vivido na Kent State University, em Ohio. A ideia era tornar-se jornalista cultural e, claro, escrever sobre arte.
Já em Portugal, aos 22 anos, iniciou a carreira de jornalista no Gerador, uma plataforma portuguesa de jornalismo independente e alternativo.
Chegou mesmo a apaixonar-se pelo jornalismo de investigação e pela escrita de reportagens e, em 2018, tornou-se Diretora Editorial desse órgão de comunicação. Esta experiência quase que a fez esquecer o seu verdadeiro sonho: ser artista.
A única hora da semana em que era “verdadeiramente feliz”
A verdade é que Andreia Monteiro nunca largou a música, mesmo que esse não fosse o seu foco principal. Ainda no ensino secundário, inscreveu-se em aulas de piano que manteve mesmo após iniciar a sua carreira profissional no jornalismo.
Na faculdade, e imergida numa depressão grave, tomou consciência de que não estava a viver o seu verdadeiro sonho.
“Porque o jornalismo nunca foi bem um sonho. Foi algo que eu fabriquei, que eu construí. Percebi que só havia uma hora por semana em que me sentia verdadeiramente feliz, que era durante a minha aula de piano. Aí, eu conseguia esquecer-me de tudo o que estava a passar”, assume.
Mesmo com o arrastar da sua depressão e ainda que se tenha apercebido da importância da música neste “clique” que surgiu na sua vida, Andreia não foi capaz de abdicar do jornalismo.
A entrevista aos The Black Mamba
Apesar das dificuldades que foi sentindo enquanto trabalhava no Gerador, Andreia também reconhece as coisas boas que o jornalismo lhe trouxe.
Uma delas foi o contacto com artistas, consagrados ou não, que foram alimentando o seu desejo de se tornar cantora. Na verdade, tal como descreve, “foram motivando a sua redescoberta artística”.
Quando questionada sobre o momento em que percebeu que tinha de mudar de carreira, a jovem relembra a entrevista que realizou à banda portuguesa The Black Mamba.
“Eu fui ao estúdio deles, que é na casa do Tatanka. E essa entrevista aconteceu no dia do lançamento do último disco deles. Foi uma experiência mesmo épica. Eu nunca tinha estado num estúdio daquela forma”, descreve.
“O Tatanka recebeu-me de uma forma incrível, como se eu fosse uma colega lá de casa. Depois de terminar a entrevista, pensei que me ia embora. Mas não. Ele convidou-me a ficar no estúdio por mais umas horas e ficámos a ouvir todos os discos dos The Black Mamba, enquanto analisávamos a evolução da banda. Eu só pensava «isto não está a acontecer»”.
Foi nessa altura que Andreia Monteiro percebeu que a música tinha mesmo de fazer parte do seu percurso e que o jornalismo não a iria preencher por completo.
“Caiu-me a ficha. Eu senti um amor tão grande dentro de mim, que eu nem percebia como é que aquelas pessoas conseguiam ter espaço para amar pessoas. Como é que conseguiam ter famílias, por exemplo? Porque eu sentia-me 100% completa só por estar naquele estúdio e nem estava a fazer música”.
Com este despertar, Andreia decidiu, então, frequentar a escola de jazz Luiz Villas-Boas, do Hot Clube de Portugal, onde estudou piano e voz durante quatro anos.
‘Traz o que é meu’: o single que é um grito de libertação
Foi em 2022, com 26 anos, que Andreia Monteiro se despediu do Gerador, ainda que este fosse “um emprego seguro e estável”. Sem plano B, a jovem decidiu “dar o seu salto mais louco” e investir na sua carreira musical. “Se continuasse no Gerador, não conseguiria encontrar a minha voz e a minha identidade artística”, confessa.
“Normalmente, fazemos isto quando já temos alguma garantia, quando já sabemos que vamos trabalhar com aquela pessoa, quando já temos o ‘sim’ daquele projeto. Mas quando eu me despedi, não tinha nada. Não tinha nenhum músico que fosse trabalhar comigo, não tinha músicas que eu achasse que eram boas… tinha alguns rabiscos, mas que eu não gostava muito. Tinha zero caminhos, mas algum dia tinha de me escolher a mim.”
Desempregada, percorreu um caminho que descreve como “uma montanha russa de emoções”, no qual surgiram os ataques de pânico e os períodos de raiva e desespero. O apoio da família tornou-se, assim, incondicional para conseguir atravessar esta fase difícil.
“Pela primeira vez, senti que os meus pais me estavam a apoiar para ser artista.”
Bateu a várias portas de artistas musicais, mas as respostas negativas que recebeu fizeram-na repensar a sua decisão e começou a sentir alguma falta de motivação. Por essa razão, e pelo facto de não estar a conseguir compor, chegou a acreditar que “talvez não tivesse mesmo lugar na música”.
Na esperança de conseguir desbloquear a sua criatividade artística, Andreia contactou a cantora e compositora Rita Onofre, uma das suas grandes inspirações musicais. Empática com a situação, Onofre abriu-lhe a porta para que pudessem começar a trabalhar juntas naquele que viria a ser o primeiro single de Andreia Monteiro.
Em agosto de 2023, seguiram-se algumas sessões de song writting.
“Nós éramos afastadas porque não nos conhecíamos, mas éramos super próximas porque eu estava em silêncio e a Rita conseguia perceber-me e sugerir qualquer coisa que desbloqueasse a canção. Aquele rascunho que eu considerava tão mau, que nada seria aproveitável”, admite.
“Com a ajuda da Rita, eu aprendi que não tenho más ideias. Eu tenho boas ideias que precisam de ser mais respeitadas e acarinhadas, a começar por mim”.
Um simples texto no papel transformou-se numa gravação em estúdio. E assim surgiu a canção ‘Traz o que é meu’, o primeiro single de Andreia Monteiro, que atualmente adota o alter-ego artístico Dreia. Foi lançado no dia 13 de maio deste ano, data de aniversário da artista.
Com produção de Choro, o single representa o “renascimento” de Dreia e um “grito de libertação de tudo o que a limitou, de todas as partes de si que foi calando para caber em sítios e pessoas onde não pertencia”.
“Depois da Rita, juntou-se o Choro, como produtor. Estou muito feliz com esse encontro, porque também ele tem sido impecável comigo e, desde a primeira sessão que fizemos juntos, para iniciar a produção da “Traz o que é meu”, que ele me quis ouvir, valorizando a minha visão para a música e colocando a minha opinião em primeiro plano. Senti-me sempre muito ouvida e apoiada por ele ao longo do processo.”
Por sua vez, o videoclipe, inspirado no universo de ‘Alice no País das Maravilhas’, foi realizado por Diana Mendes.
“Já conhecia a Diana dos tempos em que trabalhei no Gerador e não tive dúvidas de que queria que fosse ela a realizar o meu videoclipe. Felizmente, aceitou trabalhar comigo e empenhou-se a 100%. Quando vi o videoclipe que ela realizou fiquei muito emocionada, superou qualquer expectativa. A Diana é uma artista cheia de talento, que juntou uma pequena equipa - Guilherme Daniel, Joana Ramos e Catarina Santiago - igualmente talentosa e trabalhadora para elevar ao máximo o meu primeiro single. Mesmo sem me conhecerem previamente (exceto a Diana), acolheram o meu sonho e materializaram-no comigo.”
Dreia descreve o seu primeiro single como algo que a apresenta e que, para ela, se trata de uma introdução. “É uma canção que diz: “esta sou eu, foi por isto que eu passei e agora estou aqui. Quando somos pequeninas, somos tudo. Há magia e beleza em tudo. Mas depois a sociedade vai-nos tirando coisinhas. Não podes fazer isto, não podes dizer aquilo…vamos perdendo partes de nós. E às tantas, eu pensei: «quantas partes é que eu já perdi e não estou a conseguir recuperar?» Porque às vezes a ferida é profunda”.
Ainda que tenha noção da decisão que teve de tomar para se poder lançar no mundo da música, a artista não se considera uma pessoa corajosa, mas sim que teve o “privilégio da coragem”.
“Se puderes, arrisca. E enquanto não puderes, vai-te mexendo”, começa por aconselhar aos artistas emergentes.
“Podes não conseguir dar o salto completo como eu um dia cheguei e dei. Mas eu também demorei muitos anos a preparar esse salto. Não desistas de ti. Tu serás sempre a pessoa mais importante na tua narrativa, até para as pessoas que te amam e que estão à tua volta. Portanto, não desistas de ti e nunca pares de lutar por ti. E isso implica não parares de lutar pelos teus sonhos.”
O single ‘Traz o que é meu’ é o primeiro de vários lançamentos de Dreia previstos para 2024. O tema antecede o EP de estreia da cantora e compositora, que será editado em breve.