Cultura

Aviso: conteúdo sensível

"Senti-me nojenta, lembro-me de me querer lavar": o relato de uma alegada vítima de António Capelo

Aviso: esta reportagem tem conteúdo sensível e explícito. Mia Filipa acusa o ator de se aproveitar da sua fragilidade e passado sofrido. Tudo começou com pequenas aproximações e acabou em relações sexuais face à insistência de António Capelo. Diz que se sentiu "completamente nojenta" e que só anos depois, na terapia, é que percebeu que tinha sido vítima de abusos.

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António Capelo está a ser acusado de assédio sexual e moral por antigos alunos. O ator nega as acusações. A SIC ouviu uma das alegadas vítimas. Tinha 16 anos na altura, agora tem 43. Aviso: esta reportagem tem conteúdo sensível e explícito.

Quando pisou a Academia Contemporânea do Espetáculo, no Porto, Mia Filipa, trazia sonhos de adolescente.

António Capelo era professor, diretor artístico. Tinha na altura 42 anos. É sobre ele que recaem as acusações de assédio sexual.

"Apalpava-me o rabo quando passava por mim (...). Começava-se a rir como se tivesse sido uma brincadeira ou sem querer. No relaxamento, vinha-me sempre estalar a mim o pescoço, dar como um exemplo, vinha fazer exemplos de massagens. Chamava-me piriquito. Tinha esse 'nickname' carinhoso que não tinha com toda a gente. Depois era os presentes, as mensagens que enviava", relata.

Mia Filipa dá o nome mas não dá a cara. Aos 43 anos está num processo de transição de género. Já não é aquela pessoa frágil, de corpo franzino que se identificava como rapaz e que entrou na ACE para se libertar de um passado de bullying.

Na nova escola tinha até promessas de trabalho numa telenovela.

"Ele usou dessas estratégias todas para me iludir a mim que era uma jovem que vinha de um contexto de pobreza, dificuldade, um percurso já sofrido."

Da sala de aula para a sala de estar em casa do ator. Estava criado o cenário para a intimidade.

"Lembro-me de me querer fazer festinhas na cabeça e eu estar retraída e chegou o momento em que estava excitado, pegou na minha mão e pôs a minha mão no órgão sexual dele e começou a esfregar. Eu não sabia bem o que fazer, sentia-me encurralada. Pediu-me para fazer sexo oral", conta.

Mesmo quando dizia que não, conta que Capelo insistia até ouvir um sim.

"Rejeitava ir lá a casa e ele dizia: 'Não penses que é só sexo. Não te estou a chamar por causa disso' Só que depois era."

Questionada se houve penetração, diz que sim: "Pelo menos uma vez que me recordo em que, pela insistência dele (...). Uma sombra que a persegue até hoje.

"Lembro-me de ir para casa e de me sentir completamente nojenta, de me querer lavar toda. Até hoje, nunca esqueci. Nem consigo estar perto de uma pessoa que tenha o mesmo perfume que ele usava."

No dia dia em que houve um corte, de insubstituível passou a transparente.

"Depois vieram as humilhações. Dizia-me que nunca ia ser um ator porque não tinha corpo de ator, de homem, que era muito feminina."

Foram anos em silêncio, com mentiras à mãe, sentimentos de culpa e vergonha. Aos 39 anos, decidiu escrever uma nova página e na terapia encontrou tempo e espaço para contar o que viveu.

"Só nesse momento é que tomei consciência que o que tinha acontecido era assédio e abuso."

As denúncias feitas online na página "Não tenhas medo" por antigos alunos da ACE foram um autêntico espelho.

Uma manifestação no Porto deu eco às denúncias. As alegadas vítimas pedem que não se volte a dar palco aos abusos.

O ator nega todas as acusações. O caso está já a ser investigado.