Como filmar o trabalho de uma grande pintora sem o reduzir a clichés “culturais”, preguiçosos, previsíveis e redutores? E como filmá-la na sua intimidade sem favorecer qualquer retrato “voyeurista” da vida privada?
Já disponível numa plataforma de streaming, o documentário “Paula Rego, Histórias e Segredos” (2017) constitui uma belíssima resposta a estas duas perguntas. Nele se expõe a fascinante pluralidade de uma obra, sem deixar de a relacionar com a existência familiar da sua protagonista — estamos, afinal, perante um verdadeiro guia de iniciação ao universo fascinante de Paula Rego (1935-2022).
Como é óbvio, nada disto é alheio ao facto de estarmos perante uma realização de Nick Willing, filho de Paula Rego. Mais do que isso: o filme integra muitos extractos de filmes de família (em película Super 8), construindo uma narrativa em que as peripécias da vida familiar vão servindo de contraponto à descoberta do trabalho de criação das pinturas.
Deparamos, assim, com uma genuína história secreta (o título assim nos conduz). Em última instância, ficamos a conhecer as convulsões emocionais associadas à pintura. E muito em particular a relação dessa pintura com qualquer coisa de primordial e infantil.
Assim o diz a própria Paula Rego: “Quando estou a pintar um quadro, e tenho uma história que não sei onde situar, em termos de ambiente, de cenário, regresso a um sítio que conheci em criança.” Ela sublinha isso mesmo, afinal reconhecendo o processo catártico que o trabalho pode envolver: “Sinto-me aliviada, o medo passa para o quadro.”