João Lopes

Comentador SIC Notícias

Cultura

“Vamos ao Nimas”, com Lauro António

A memória de Lauro António está longe de se restringir à crítica de cinema e aos filmes que realizou — ele foi também um exemplar divulgador e programador da Sétima Arte.

“Vamos ao Nimas”, com Lauro António

Perante a notícia do falecimento de Lauro António, vale a pena referir que o seu legado mais universal — e também mais carregado de emoção — envolve um gosto militante pelo cinema. Entenda-se: pela descoberta da diversidade da paisagem cinematográfica e pela sua partilha cinéfila.

Lembro, por isso, que a referência de “Manhã Submersa” (1980), adaptando o romance de Vergílio Ferreira, está longe de esgotar a diversidade do seu trabalho. Menos conhecidas, as suas experiências na curta-metragem são também exemplares daquele gosto, incluindo aquela que se intitula, precisamente, “Vamos ao Nimas” (1975). Talvez que a expressão, hoje em dia pouco usada, seja algo indecifrável para alguns espectadores mais novos. Não se trata, de facto, de uma referência a uma sala de cinema concreta, mas sim de uma declaração de entusiasmo e expectativa — vamos ao cinema, vamos descobrir um filme, enfim, “vamos ao nimas”.

O legado de Lauro António acabou por ter, felizmente, uma materialização exemplar. Refiro-me ao facto de ele ter doado o seu espólio — muitos livros, muitos filmes, alguns deles (nada mais nada menos que 1.500) ainda em formato de cassete VHS — ao município de Setúbal, assim gerando a Casa das Imagens Lauro António [foto]. Inaugurada a 8 de maio de 2021, trata-se de uma entidade realmente cinéfila, com vocação de biblioteca, mediateca e arquivo.

Tudo isto sem esquecer que, a partir de 1971 e durante alguns anos, Lauro António desempenhou um lugar de destaque na própria programação cinematográfica: foi ele o responsável pelos filmes exibidos na sala lisboeta do Apolo 70 (hoje inexistente devido à reconfiguração do respectivo centro comercial), com uma oferta que ia desde os grandes clássicos, como “Ivan, o Terrível” (1945), de Sergei Eisenstein, aos géneros mais populares, representados, por exemplo, pelas comédias interpretadas e realizadas por Jerry Lewis.

Uma boa memória dessa época é o “western” que serviu de abertura oficial do Apolo 70 — “Tell Them Willie Boy is Here / O Vale do Fugitivo” (1969), de Abraham Polonsky, com Robert Redford, Katharine Ross e Robert Blake —, aqui recordado através do seu trailer.