Logo se ergueram as vozes da desculpabilização. “Não somos os únicos.” “Não está fácil para ninguém.” “Vejam bem os italianos que até são campeões da Europa.” “Com a Itália é pior ainda porque nem conseguiram ir ao último Mundial.”
Pior ainda?
Quererão mesmo alguns portugueses entrar num braço-de-ferro com a seleção transalpina?
Sim, Itália não conseguiu apurar-se para a Rússia em 2018. Ao contrário de Portugal que, desde 2000, marca presença constante nas grandes competições. Mas é a velha história do copo meio cheio ou meio vazio. E do que dá mais jeito à retórica ensaiada. Itália, por exemplo, foi campeã do Mundo por quatro vezes (1934, 1938, 1982 e 2006).
E Portugal? Todos sabemos a resposta.
Podemos ir mais longe. Itália não tem ao seu dispor uma geração tão talentosa como a portuguesa. Era assim em 2018, no Mundial que falhou, é assim este ano, no Europeu que conquistou, e continuará a ser igual em março do próximo ano, quando se iniciar o play-off.
Há ainda outro dado relevante: das primeiras dez seleções do ranking europeu, apenas Portugal e Itália não alcançaram a qualificação direta para o Qatar. Mas a comparação já não dá jeito com aquelas que seguiram em frente. Talvez fosse melhor, e mais eficaz, deixar os italianos em Itália para nos focarmos nos nossos problemas e na forma de resolvê-los.
Fernando Santos é um homem de fé. De uma fé inabalável. Foi o único a acreditar na conquista do Euro 2016 numa altura em que o país inteiro se ria dele pelas más exibições da Seleção.
Depois foi ele a rir-se e a trazer a taça mais importante da história do futebol português. Também acreditava na vitória contra a Sérvia. E logo a seguir ao jogo voltou a afirmar que Portugal irá estar no Mundial de 2022. Esperemos que sim. Mas, para isso, será preciso bem mais do que fé.
Dava jeito jogar bom futebol. Ou, pelo menos, não jogar tão mal como aconteceu contra a Sérvia. E aí a culpa não é apenas de Fernando Santos. Mas este já descansou as hostes em caso de insucesso. Não precisará que alguém lhe mostre a porta de saída. Ele próprio irá apresentar a sua demissão. Poderá criticar-se Fernando Santos pela forma como a equipa (não) joga, mas jamais pelas suas qualidades humanas. É um homem com os valores no sítio certo e que nunca se esconde das responsabilidades. Nem vai usar Itália, ou seja quem for, para camuflar o fracasso de falhar um Mundial.
Mas essa é uma tendência do país. Enraizada na sua cultura. No seu ADN. Tanto serve para o futebol como para assuntos de maior gravidade e importância.
A história do “lá fora é bem pior” está presente em tudo. Mesmo quando falamos de testas de ferro, corrupção, privilégios de uns à custa de todos os outros ou tráfico de influências.
Coisas nas quais somos muito fortes. Muito capazes. Muito dotados. Muito disponíveis. Há sítios piores, claro, mas aqui entra a velha máxima: “Com o mal dos outros posso eu bem.”
A solução para os nossos problemas não está na desgraça do vizinho do lado. Caso contrário, a doença continua a crescer enquanto a cura fica na gaveta.