Duarte Gomes

Comentador SIC Notícias

Desporto

Opinião

Temos de continuar a ser a pedra incómoda no sapato

Opinião de Duarte Gomes. Assisto com alguma frequência às sessões de trabalho que decorrem na Assembleia da República. Confesso-vos que fico chocado com o comportamento que alguns deputados (não todos) têm. É inacreditável que, naquela sala, tantos ajam como garotos mimados, fedelhos sem nível.
(Arquivo)
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Passo metade da minha vida profissional a falar sobre a importância que a ética tem no desporto. Faço-o por convicção e por entender que essa é, de facto, a forma certa de estar numa atividade tão nobre e abrangente.

Sei, por experiência própria, que não é fácil exigir condutas positivas a quem está permanentemente sob pressão, nalguns casos em risco de perder o emprego, desestabilizando a sua vida pessoal e profissional. Não é fácil exigir-lhes elevação em momentos de forte emocionalidade e tensão.

Também eu sucumbi à tentação da reação intempestiva, não escondendo a minha desilusão por ter falhado em momentos que pediam contenção e serenidade. Sou pai, marido, filho e tenho noção que, nessas falhas, não dei aos meus o melhor dos exemplos. Penitencio-me por isso.

No entanto, também sei que errei excecionalmente. Por regra, tentei sempre fazer as coisas da forma certa. Tentei tratar bem os outros, porque gosto de ser bem tratado. Tentei respeitar as suas opiniões e decisões, mesmo quando não concordei com elas. Mesmo quando as contestei, em sede e local próprios.

Reconheço por isso que esta coisa de pôr razão e elevação à frente de reação e emoção, é um desafio tremendo.

Quando reflito sobre isto, penso naqueles que têm legitimidade para mudar o rumo das coisas. Penso, por exemplo, nos políticos (lato sensu), nos criadores de leis, nas pessoas que estão nos cargos certos para inverter o rumo das coisas.

E a verdade é que, sem prejuízo das excelentes iniciativas lançadas, por exemplo, pelo Plano Nacional de Ética Desportiva - PNED e por outras entidades, que procuram contribuir para levar os desportistas a adotarem posturas mais "higiénicas", continuo a ver que não será apenas por aí que as coisas se resolverão.

Digo-vos isto porque assisto com alguma frequência às sessões de trabalho que decorrem na Assembleia da República, a chamada casa da democracia em Portugal.

Confesso-vos que fico chocado com o comportamento que alguns deputados (não todos) têm. Não é um circo, mas parece. Há de tudo um pouco: apupos constantes, gargalhadas de gozo, tiradas em voz alta a interromper uns e outros, faltas de respeito sucessivas, malta de pé e de costas para quem está a falar, a rir ao telemóvel, a cantarolar com ironia. Alguns são mesmo mal educados. Insultam os seus pares com indiretas ou ofensas direcionadas.

É inacreditável que, naquela sala, tantos ajam como garotos mimados, fedelhos sem nível.

A pergunta que se coloca é simples: são essas damas e cavalheiros que têm o poder de tentar fazer evoluir o país? É deles que se espera mudanças, no que diz respeito a termos mais ética no desporto? Enfim.

Quando saímos dali e mergulhamos no desporto em si, mais concretamente no futebol, o cenário não fica muito diferente. Apesar de sabermos que esse universo suscita maiores perturbações emocionais, a verdade é que não encontramos grandes exemplos que possam servir de referência à mudança.

Claro que há muita gente de bem, em cargos relevantes, que mantém discurso elogiável, orientado para aquelas que devem ser as melhores práticas, mas a um nível mais terreno, o que muitas vezes vemos é a antítese do que devíamos ver.

E quando alguém tem coragem de levantar o dedo e apontar nessa direcção, logo surgem os contra ataques ou os velhinhos argumentos da "emoção, do calor do momento, da latinidade", etc, etc.

Ainda há pouco tempo ouvi alguém que muito aprecio a dizer que era assim mesmo (demasiado intenso) e que jamais mudaria... como se intensidade e má educação fossem sinónimos.

Penso que não fazem por mal. Só não aprenderam a ser diferentes, mas estamos a tempo de lhes ensinar.

Temos que continuar a ser a tal pedra incómoda no seu sapato. Temos que lhes "picar o miolo" constantemente. Expô-los quando exageram. É chato para todos, é desgastante, mas tem que ter algum efeito prático (espero eu).

E mais importante do que apagar os fogos que vão aparecendo aqui e ali, é continuar a criar condições para que, em termos gerais, todos os que gravitam no desporto (incluindo adeptos e media) sintam-se na obrigação de manter o nível, o respeito e a serenidade que a atividade pressupõe, sobretudo quando o momento possa sugerir o oposto.

É preciso continuar a investir forte em ações de sensibilização, a nível nacional. É preciso insistir na prevenção, na divulgação de bons exemplos. É preciso apelar sistematicamente à calma, mostrando o impacto perverso que "maus fígados" podem ter junto dos mais novos.

Quando a coisa não funciona por aí, quando essas tentativas não resultarem, resta a punição. Uma punição que se exige cada vez mais célere e implacável, porque só essa poderá ter efeito dissuasor no futuro. Ela servirá de exemplo a quem esteve mal e de aviso a todos os outros que poderão vir a estar.

Se virmos bem, as duas são pedagógicas.

A diferença é que a primeira pretende evitar que coisas más aconteçam e a segunda que não se repitam.

Vamos ver se as férias ajudam a melhorar comportamentos.

Só não aprende quem não quer. E para quem não quer, a solução é outra.