Desporto

Da infância conturbada ao alcoolismo: Dele Alli revela episódios que ainda o "assombram"

Visto como uma das maiores promessas do futebol inglês, o atleta de 27 anos acaba de regressar de um empréstimo ao Besiktas. Em entrevista à antiga lenda do futebol Gary Neville, o jogador contou que foi abusado sexualmente e que aos oito anos traficava droga.

Da infância conturbada ao alcoolismo: Dele Alli revela episódios que ainda o "assombram"
Rui Vieira

Dele Alli confessou, numa entrevista conduzida pelo antigo futebolista Gary Neville, os traumas a que foi exposto durante a sua infância e de que forma os mesmos afetaram, e continuam a afetar, a sua vida e carreira profissional.

Decorria a época 2015/2016, quando um jovem prodígio de 19 anos irrompeu pela equipa principal do Tottenham e destacou-se como um dos melhores futebolistas a atuar na Liga Inglesa.

A época seguinte não foi exceção e Dele continuou a brilhar com golos e assistências de levantar o estádio. Porém, o rendimento do atleta começou a cair desde então e o outrora diamante do futebol inglês não mais conseguiu provar o seu real valor.

Abuso sexual e tráfico de drogas

Numa entrevista à SKY News, para o programa The Overlap, o atleta abriu o coração e falou dos traumas sofridos que ainda o assombram. O inglês revelou que aos seis anos de idade foi abusado sexualmente por um amigo da mãe, ambos alcoólicos.

Aos sete e aos oito anos de idade, os problemas continuaram:

“Aos sete anos de idade comecei a fumar e aos oito a traficar. Uma pessoa mais velha disse que [a polícia] não parava uma criança de bicicleta, então eu andava com a minha bola de futebol e depois atrás de mim carregava a droga”.

Visivelmente emocionado, o futebolista de 27 anos relatou que aos nove anos foi enviado para a Nigéria para ir ter com o pai biológico, numa tentativa de “aprender disciplina”. Acabaria, no entanto, por ser enviado de volta para Milton Keynes, a sua terra natal.

Mas nem tudo foi trágico na vida do ex-internacional inglês. Aos 12 anos, a vida do então pequeno Dele Alli deu uma volta de 180 graus.

“Aos 12 anos fui adotado por uma família maravilhosa, não podia ter pedido pessoas melhores tendo em conta o que fizeram por mim. Se Deus criou as pessoas, criou-os a eles. Eu tentei ser o melhor filho que poderia ser. Estive com eles desde os doze anos e depois comecei a jogar profissionalmente aos 16 anos. A partir daí tudo começou”, partilhou.

O jogador explicou ainda que utiliza o nome “Dele” nas costas porque não sente qualquer conexão com o apelido Alli.

Vício em comprimidos e alcoolismo

Com o desenrolar da carreira, o inglês viu-se preso numa espiral negativa que culminou num auto-internamento. De forma a tentar superar os traumas de infância, o futebolista passou a consumir álcool e comprimidos para dormir, inicialmente receitados por um médico, de forma intensiva.

"É um problema que não é só meu [consumo abusivo de comprimidos]. Acho que está a acontecer muito no futebol. Com o nosso horário temos de nos levantar cedo para treinar e temos toda a adrenalina, por isso tomar um comprimido para dormir para conseguirmos dormir e levantarmo-nos no dia seguinte. É bom, mas quando o nosso sistema está tão avariado como eu, pode ter o efeito contrário. […] Definitivamente, abusei demasiado deles. Estava a tomá-los durante todo o dia e nos meus dias de folga para fugir à realidade", revelou.

Apesar de o futebol ter contribuído de forma negativa para a sua adição, Dele confessou que o mesmo também “salvou” a sua vida, apesar de esclarecer que o desporto rei “não é tão fácil como toda a gente pensa”.

“Mentalmente, acho que as pessoas nunca conseguirão compreender o que isso [o dinheiro e a fama] nos faz: rejeição, dizerem-nos que não somos suficientemente bons, lutar todos os dias, até mesmo perder um jogo. Temos de estar a sorrir no dia seguinte e, quando não estamos, é um problema”, atirou.

Dele Alli em 2016.
Alastair Grant

Dele esteve perto de terminar a carreira aos 24 anos

A antiga estrela da seleção inglesa disse a Gary Neville que “bateu no fundo” quando, aos 24 anos, José Mourinho, então treinador do Tottenham, deixou de contar com ele. Descreveu esse momento como “o mais triste da carreira”.

Impulsionado por essa decisão do técnico, o atleta disse que um dia olhou para o espelho e questionou-se se poderia abandonar os relvados aos 24 anos.

A reabilitação nos EUA

Mais recentemente, Dele decidiu focar-se no seu bem estar mental e entrou, assim, para uma clínica de reabilitação, nos Estados Unidos, onde permaneceu durante seis semanas e de onde saiu há quase um mês.

"Quando regressei da Turquia, descobri que precisava de ser operado e estava numa situação mental muito má. Decidi ir para um centro de reabilitação moderno para a saúde mental. Tratam da toxicodependência, da saúde mental e do trauma. Era algo que eu sentia que estava na altura de fazer. Penso que, com coisas deste género, não nos podem dizer para irmos para lá. Acho que temos de saber e temos de ser nós a tomar a decisão, caso contrário não vai resultar", partilhou.

Agora, olha para trás e constata que tem vindo a ser o seu “próprio herói” e o “próprio inimigo”. Referiu que tudo aquilo por que passou ajudou-o a compreender o sentido da vida.

“Agora recuperei o sentimento que tinha antes do Tottenham, quando tinha tanto amor, luta e paixão pelo futebol, e senti falta disso”, disse.

Em 2022, o jogador mudou-se para o Everton, de Inglaterra, mas fez apenas 13 jogos pelos “toffees” e acabou por ser emprestado, na última temporada, aos turcos do Besiktas. Ao serviço do emblema de Istambul marcou quatro golos em 14 partidas.