Duarte Gomes

Comentador SIC Notícias

Desporto

Tempo útil de jogo

Opinião de Duarte Gomes. Nem a revolução implementada nas leis de jogo nas últimas épocas conseguiu tornar os jogos de futebol em espetáculos verdadeiramente justos e atrativos.
Tempo útil de jogo

Há pelo menos uma batalha que ainda não foi totalmente ganha: a de se combater, com eficácia, o anti-jogo.

A expressão diz tudo: "anti-jogo".

Na prática é o exato oposto de jogo, que pressupõe bola a rolar e jogadores a brilhar. O oposto do que todos merecem ver: um espetáculo entusiasmante, com qualidade, incerteza e fairplay.

Por regra, o "antijogo" é uma estratégia, ora de recurso ora planeada, que as equipas recorrem para tentar obter sobre um adversário teoricamente mais forte o maior benefício possível. Mas, sejamos sinceros, é uma estratégia rasteirinha, feiinha, porque ataca a essência do futebol e todos os que pagam pagar o ver. Todos os que pagam para o sustentar.

No fundo, o "anti-jogo" é a vitória da chico-espertice sobre o espírito desportivo. Uma vitória permitida pelas regras e pelos próprios árbitros, quase sempre incapazes de combaterem, com eficácia e consistência, as mil e uma formas de recorrer a essa batota.

Nem as recomendações mais recentes dadas aos juízes de campo parecem ter vingado: depois da liberdade concedida no sentido de compensarem tempo perdido através da concessão de descontos, alguns excessos pontuais acabaram por matar à nascença ideia que tinha tudo para dar certo.

Mas ao contrário do que se possa pensar, as perdas de tempo deliberadas não são apenas coisa de "David contra Golias".

Não raras vezes os chamados clubes grandes sentem necessidade de impor um ritmo de jogo, digamos, "mais demorado", por força do atrevimento ofensivo de adversários menos fortes. Claro que o expediente causa enervação em quem anda atrás no resultado e luta contra o cronómetro, mas convém que ninguém se esqueça que, aqui e ali, já recorreu a táticas idênticas, com idênticos objetivos. Telhados de vidro, quem não os tem?

Embora não seja de todo apologista de soluções radicais, chego cada vez mais à conclusão que a única forma justa, objetiva e definitiva de combater esta malandrice seria através da cronometragem efetiva do tempo de jogo.

Não será o ideal para o espetáculo (embora até isso seja questionável), mas seria a machadada final numa prática que todos identificam, todos criticam mas ninguém consegue resolver de forma eficaz.

Se o relógio parar de cada vez que a bola saia das quatro linhas, a sensação de justiça será maior. Dará tranquilidade a quem estiver em desvantagem e evitará reações nas bancadas, enervação nos bancos e potenciais conflitos em campo.

Sei que a bomba atómica só se lança em último recurso, mas convém não esquecermos que os tempos úteis de jogo, mesmo nas ligas com melhores registos, estão muito longe do que podiam e deviam ser em alta competição. Em Portugal e apesar de ligeira melhoria, continuamos perto da cauda desse pelotão.

É esta análise pragmática e factual que se deve fazer quando se pensa em formas de atuar numa matéria tão sensível como esta.

Os norte-americanos (e não só) descobriram formas muito interessantes de monetizar as paragens cronometradas de tempo nalguns dos seus espetáculos desportivos, conciliando entretenimento com espetáculo e tempo de qualidade em família. Outros desportos já o fazem muito tempo também.

Se o futebol perceber que não tem solução concreta para o facto de, em noventa minutos de jogo, jogar-se pouco mais de metade, porque não tentar?

Como em tudo na vida, primeiro estranha-se…