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João Neves, balança e único leão

A opinião de João Rosado. Neste momento, só o jovem algarvio teria lugar de caras no onze de Amorim.

João Neves, balança e único leão
PEDRO NUNES

Talvez um “bom dia” ou um “obrigado”. Mais do que isso, em bom português, nunca se ouviu de Roger Schmidt nas conferências de imprensa. A trabalhar em Lisboa há ano e meio, o treinador do Benfica prefere Shakespeare a Camões e aposto que “Os Lusíadas” nunca lhe foram receitados para as várias noites sem pregar olho nos últimos tempos.

Parece claro, para utilizar uma expressão tão a gosto do germânico, que os cantos de Angel Di María ou o verso e o reverso das medalhas que tem conquistado em Portugal lhe suscitam um interesse muito maior. Isso não constitui crime nenhum de lesa-pátria mas, a confirmar-se, é uma pena que nunca se tenha maravilhado com as estrofes escritas pelo Poeta. No dia em que tamanha lacuna for corrigida, perceberá o significado total da recente expedição ao País Basco, onde começou a ganhar uma importante “guerra” no preciso instante em que perdeu copiosamente a batalha de Alguacil, ou melhor, com Imanol Aguacil.

Perante a lição oferecida pela Real Sociedad na primeira meia hora do encontro, Roger Schmidt não teve outra alternativa senão fazer regressar João Neves ao corredor central, e a lenda da milagrosa vitória frente a Rúben Amorim iniciou-se quando o jovem “príncipe” dos Algarves ocupou o trono no meio-campo. Em plena crise de resultados e exibições na Liga dos Campeões, sem quaisquer referências ou valores, moralmente esmagado pelo domínio dos espanhóis, Schmidt, de repente, no rebatizado Anoeta, lançou as bases para um (San) Sebastianismo que continua montado no mais recente mito do futebol português.

Apesar da tenra idade ou quiçá precisamente por causa disso, Neves voltou a liderar o pesado e pouco imaginativo “exército” benfiquista diante do Sporting e, ao contrário do que muitos adeptos temiam quando foram informados do onze titular, encheu o campo na sua posição natural (ao lado de Florentino), comprovando de uma vez por todas que o “adeus” à Liga dos Campeões não tinha deixado apenas lágrimas na Luz. O golo apontado a Antonio Adán (adversário espanhol, sempre um adversário espanhol...), já em período de descontos após 90 minutos em que o talento de Tavira teve de suportar duelos tremendos com os “gigantes” Hjulmand e Gyokeres, elevou o médio das águias à condição de homem do jogo e vamos lá ver se não à condição de titular da seleção frente a Liechtenstein e/ou Islândia.

Hjulmand ou apenas humano?

PEDRO NUNES

Por caprichos do calendário e sobretudo por critério de Roberto Martínez, até pode dar-se o caso de João Neves se estrear como titular de Portugal “apenas” no desafio da próxima semana, marcado para... Alvalade. Num estádio que lhe deixou na época transacta óptimas recordações, ou não tivesse marcado igualmente o golo do empate no dérbi dos 2-2 aos 90+4’, o algarvio pode rubricar, se um certo selecionador nascido em... Espanha estiver pelos ajustes, o capítulo que mais dia menos dia será impresso na Cidade do Futebol.

Para já, enquanto não (re)visita a casa do leão na expectativa de fazer história se falhar o sonho em Vaduz, o Don Sebastian de Roger Schmidt revela-se como o único jogador do atual Benfica capaz de entrar no onze de eleição do rival eterno que defrontou no domingo. A incapacidade de aceleração de Di María, a também eterna dificuldade de Rafa no capítulo da definição e a fabulosa concorrência com que António Silva e Otamendi se deparariam ante os fiáveis Diomande e Coates explicariam a dificuldade para encontrarem “lugar de caras” na formação verde e branca. Neste momento.

Quando Fredrik Aursnes regressar, quem sabe numa noite de nevoeiro, também ele à sua melhor posição, é de admitir que o meio-campo misto da Segunda Circular reserve uma admirável combinação escandinava, até porque o dinamarquês Morten Hjulmand se assume como um 6 sem paralelo no mercado interno e a sua progressiva influência deixa muitas dúvidas sobre o planeamento ou falta dele denunciado pelos auscultadores de mercado que trabalham nos outros candidatos ao título.

Não é só Rúben Amorim que gostaria de ter um João Neves, balança no meio-campo e Balança de signo. Felizmente para o campeonato, há outros craques que suscitam “inveja”. E isso aprende-se facilmente na língua de Camões. Basta fazer como em certos jogos e ler “Os Lusíadas” ao contrário, começando e deliciando-se pelo fim.