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Mesma jogada, leituras diferentes: incompetência? Má fé? Não é bem assim...

Opinião de Duarte Gomes. Há muita gente que não percebe como é que os comentadores de arbitragem fazem frequentemente leituras diferentes sobre as mesmas situações de jogo. É preciso perceber, em primeiro lugar, que ninguém é igual.

Mesma jogada, leituras diferentes: incompetência? Má fé? Não é bem assim...
Phil Ashley

Uma das muitas discussões que o futebol gera é sobre as frequentes diferenças de opinião em relação ao mesmo lance.

Por exemplo, há muita gente que não percebe como é que os comentadores de arbitragem fazem frequentemente leituras diferentes sobre as mesmas situações de jogo.

É perfeitamente compreensível e é mesmo verdade: é comum sim, existirem divergências nas análises técnicas das mesma jogada.

A pergunta é: porquê? Porque é que isso acontece? Porque é que pessoas com know how e experiência leem, de forma distinta, a mesma jogada? Será incompetência, má-fé? Ou falta de sensibilidade?

Para mim a resposta não passa necessariamente por nenhuma das opções.

É preciso perceber, em primeiro lugar, que ninguém é igual. As pessoas têm idades, experiências e personalidades distintas. Viveram as suas carreiras em tempos diferentes. E o que pensam e dizem, ainda que sem consciência nenhuma disso, é quase sempre reflexo dessas vivências, da sua forma de ser e de estar.

Convém entender também que as regras do futebol não são todas claras e objetivas. A maioria são até interpretativas. Quando acontecem situações em que devem ser acionadas, é natural que os chamados especialistas as leiam da forma como as percecionam. Não é malícia nem incapacidade, é mesmo uma questão de perspetiva.

Além disso, é importante ter em conta o fator da vulnerabilidade humana:

- Muitas vezes o rumo que um jogo está a tomar - seja pelo acumular de erros, pelas reações dos jogadores às decisões ou pela pressão dos media/opinião pública - pode afetar inconscientemente o "mecanismo de justiça" de cada comentador, levando-o a uma análise mais emocional do que racional.

Há ainda a considerar a forma como cada um aprendeu a interpretar algumas incidências de jogo, nomeadamente os contactos físicos: há quem seja mais tolerante a determinados toques e quem seja mais legalista, mais rigoroso nessa avaliação. Essa diferença de personalidade pode muitas vezes justificar diferença de opiniões.

Depois há também as decisões que implicam juízos de valor sobre condutas: ser ou não ser malicioso, ter ou não ter intenção, ser ou não ser culpado de comportamento antidesportivo é, mais do que uma questão técnica, uma análise pessoal, logo sujeita a diferentes visões.

Por último mas não menos relevante, é a questão contextual e cultural. Há ambientes desportivos onde todos esperam punição em determinados momentos e outros em que não esperam de todo. Um jogo numa liga de futebol latina tem natureza comportamental distinta de um jogo numa liga britânica. Os árbitros adequam a sua função a cada realidade, tal como os comentadores adequam a sua análise.

Mas nada disto devia ser novidade.

Desde sempre que o futebol originou opiniões técnicas diferentes. Ainda hoje isso acontece em qualquer café, programa de TV ou comentário jornalístico. Mesmo nas ações de formação de árbitros ou nos seus núcleos, são frequentes as diferenças relativamente à análise dos mesmos lances. Acontece todas as semanas e não se pode ver drama nisso, tal a enorme subjetividade inerente ao jogo.

Enquanto for assim em relação a lances de interpretação, tudo normal. Cada um que concorde ou discorde com a interpretação que entender.

O que nunca pode acontecer são divergências relativamente a lances factuais e objetivos, expressamente previstos nas leis de jogo. Daqueles que só têm uma análise possível. Quando acontece, então sim... ou foi distração ou foi incompetência.

Nenhuma das duas prestigia a função.