João Rosado

Comentador SIC Notícias

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Bola d’Ouro, toda a verdade

Opinião de João Rosado. A justa conquista do Euro pela Espanha põe fim às farsas no Óscar do futebol.

Bola d’Ouro, toda a verdade
Marvin Ibo Guengoer - GES Sportf

A final do Campeonato da Europa provou que há justiça no futebol. Não é cega nem surda, provavelmente gosta de touradas e de sevilhanas e acima de tudo rende-se à evidência de que entre duas balizas há espaço para 22 protagonistas e por vezes não cabe uma única estrela.

Logo a seguir ao emocionante Espanha-Inglaterra, a eleição de Rodri como MVP do torneio dignificou tudo aquilo que se passou em campo durante o último mês na Alemanha e finalmente aproximou os adeptos e os críticos das decisões que saem dos misteriosos gabinetes da UEFA.

Claro que a presença de Fabio Capello, Rafa Benítez, David Moyes, Aljosa Asanovic ou Frank de Boer na equipa de observadores técnicos ajudou a credibilizar e a respeitar a verdade da relva, ficando por apurar se o resto do Mundo vai a 28 de outubro confirmar o fim de todas as farsas no Théâtre du Châtelet de Paris.

Nessa data, será entregue a Bola de Ouro, e mesmo que para alguns nomes imortais o Euro tenha representado a última oportunidade de coroação individual, se Rodri falhar a eleição como melhor jogador, é preferível fazer como Roberto Martínez e assumir simpaticamente que o grupo de vencedores é uma sociedade fechada e de voto viciado.

Por muito que custe ao coração de alguns ou por muitos milhões de prejuízo que cause na bolsa de apostas de outros, ver Vinícius Júnior, Kylian Mbappé, Toni Kroos e Jude Bellingham rivalizarem com o médio que suportou o meio-campo de La Roja é a mesma coisa que admitir que Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi ainda teriam pernas para entrar nessa corrida.

A vitória da Argentina na Copa América não é uma conquista menor e pode e deve ser enquadrada no ciclo triunfante iniciado em 2021 (e em pleno Maracanã) e confirmado à escala global no Catar. Reconhecer a história construída por Lionel Scaloni apenas com o intuito de glorificar ainda mais o capitão celeste seria também aniquilar parte do inestimável espólio colocado à disposição do universo por Luis De La Fuente no último domingo.

Quando muito, um suplente chamado Lautaro Martínez poderia candidatar-se à Bola de Ouro, pela influência decisiva na conquista norte-americana, pelo título categórico celebrado em Itália (“apenas” 19 pontos de avanço sobre o segundo classificado, o arquirrival Milan) e, já agora, por se ter sagrado o rei dos artilheiros na Série A graças aos 24 golos marcados.

Com proezas coletivas aliadas a proezas individuais, o destaque argentino do Inter reúne condições para ser um concorrente à altura de outros ilustres portadores da camisola 10 que... só não foram capazes de vencer o Euro.

Autor do fabuloso golo de bicicleta à Eslováquia, que entrou por velocidade própria para o tour de todos os tempos, Jude Bellingham, caso a Inglaterra tivesse sido feliz em Berlim, a esta hora já estaria a mandar alargar o museu pessoal. Ao serviço do Real Madrid esmagou a concorrência no campeonato espanhol e na sua própria casa, ou seja, em Wembley, colaborou fortemente no triunfo sobre o Borussia Dortmund que valeu aos merengues a 15.ª Liga dos Campeões.

YES, HE KANE

Um pouco a exemplo de Toni Kroos, o jovem prodígio inglês, depois de ter vencido quase tudo o que havia para vencer em 2023-24, aguardava que o Campeonato da Europa simplesmente confirmasse uma temporada de sonho e pudesse marcar distâncias face a outro companheiro de clube, o imparável Vinícius Jr. Uma grande competição do outro lado do Atlântico constitui sempre um fator de enorme relevância na atribuição da Bola de Ouro e embora tenha festejado por duas vezes na goleada de 4-1 ao Paraguai, o camisola 7 da “canarinha” perdeu pontos determinantes ao ser eliminado nos quartos-de-final da Copa América.

Batido pelo Uruguai no desempate por grandes penalidades, Vini experimentou ironicamente em Paradise (Estados Unidos) o pesadelo que tinha vivido no dérbi da capital que o impediu nos oitavos de final da Taça do Rei de fazer o pleno doméstico no país recém-consagrado campeão continental.

O Atlético Madrid foi mais competente da marca dos 11 metros e ofereceu um raro dissabor a Carlo Ancelotti. O FC Barcelona ficaria a 10 pontos na L Liga e consentiria uma goleada por 4-1 na final da Supertaça discutida em Riade. Na Arábia Saudita, Vinícius brilhou com um hat trick na baliza de Iñaki Peña menos de um mês depois de Bernardo Silva, Rúben Dias e Matheus Nunes no mesmo país terem arrebatado o Mundial de clubes à custa de um Fluminense demasiado frágil para escapar aos 4-0 impostos pelo Manchester City.

Prestes a chegar ao 30.º aniversário (dia 10 do próximo mês), Bernardo, o único português no Ethiad com genes para Bola de Ouro, sagrou-se pelo quarto ano seguido campeão inglês e compensou na Premier League as finais perdidas na discussão da Supertaça (derrota com o Arsenal nos penáltis) e da Taça de Inglaterra (no dérbi com o United capitaneado por Bruno Fernandes).

Ainda distante do fim de carreira que Kroos “acaba” de anunciar aos 34 anos, o canhoto que faz as delícias de Martínez sabe que também não tem a juventude de Mbappé (25 anos e um desastrado Europeu) e muito menos de Bellingham (21) e que, face ao que aconteceu na Alemanha, as portas do Théâtre du Châtelet começam gradualmente a fechar-se. Daqui a dois anos, na América que acabou de tirar o tapete a Vinícius, o 10 de Portugal terá a sua última grande oportunidade.

Por agora, é tempo de consagrar o companheiro Rodri, guarda-costas de Espanha e do meio-campo de Guardiola. Um admirável Citizen que merece o Óscar do futebol depois de ter contracenado em Berlim com o infortunado Kane.