O reforço dos direitos dos trabalhadores das plataformas, pela via da criação de uma nova presunção de laboralidade, era a grande bandeira do Executivo quando iniciou o debate em torno do Livro Verde para o Futuro do Trabalho. O tema continua a integrar a agenda do trabalho digno, mas corre o risco de ter uma aplicação mais limitada do que a inicialmente prevista.
É que apesar das propostas de alteração ao Código do Trabalho apresentadas esta quarta-feira pela ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, aos parceiros sociais contemplarem a regulação contratual na economia das plataformas, como a revisão da lei do transporte descaraterizado de passageiros (TVDE) - que impõe a figura do operador a mediar a relação entre o trabalhador e a plataforma - não deverá avançar para já, os motoristas de plataformas como a Uber poderão não ser abrangidos pelo reforço de garantias que o Governo quer introduzir para os profissionais da nova economia.
"O que apresentámos aos parceiros foi a proposta de criar uma presunção de contrato de trabalho relativamente aos trabalhadores das plataformas, salvaguardando naturalmente regimes especiais que já tenham regras próprias como é o caso dos TVDE". Foi desta forma que a ministra do Trabalho clarificou o teor da proposta que esta quarta-feira levou à Concertação Social, lançando entre os patrões a dúvida sobre se os trabalhadores enquadrados pela lei TVDE seriam ou não abrangidos pelo novo regime que o Governo se prepara para criar.
Aos jornalistas, Ana Mendes Godinho esclareceu que a proposta apresentada aos parceiros vai no sentido de criar "uma presunção - naturalmente ilidível - que, no fundo, garante que o trabalhador tem exatamente os mesmos e quaisquer direitos e deveres que qualquer trabalhador, ficando abrangido pelo Código do Trabalho".
Essa presunção deverá ser materializada no Código do Trabalho, mas num artigo autónomo ao da Presunção de Contrato de Trabalho, que já integra a lei laboral. Ou seja, não está em causa uma revisão do leque de indícios que já balizam a aferição da existência ou não de contrato para a generalidade dos trabalhadores, mas sim a criação de um regime autónomo para os trabalhadores das plataformas.
Mas não para todos, pelo menos para já. É que apesar de o secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita ter admitido recentemente no Parlamento que o Governo estava disponível para mexer na Lei da TVDE e eliminar a figura do operador, que limita o reconhecimento do vínculo laboral entre motoristas e plataformas, adequando-a à presunção de laboralidade que está a criar, a referida lei só será avaliada no final deste ano.
Ora, o Governo deu aos parceiros até 6 de agosto para apresentarem sugestões às propostas apresentadas e definiu como objetivo começar a fechar propostas legislativas concretas a partir de 3 de setembro.
O Expresso questionou o gabinete de Ana Mendes Godinho sobre se a nova presunção de laboralidade deixaria de fora os motoristas de transporte descaraterizado de passageiros, mas não obteve ainda resposta.
Trabalho temporário mais limitado
Além da regulamentação contratual dos "trabalhadores Uber", o Governo anunciou um conjunto de outras medidas para combater a precariedade laboral e promover a agenda do trabalho digno e valorização do trabalho jovem.
A batalha far-se-á em várias frentes: trabalho temporário, período experimental e negociação coletiva. Ana Mendes Godinho quer condicionar as renovações de contratos temporários, "tornando mais rigorosas as regras para a renovação destes contratos" e quer também "impedir a sucessão de contratos entre empresas de utilização com empresas do mesmo grupo".
Das propostas apresentadas nesta matéria, consta também a integração dos trabalhadores temporários caso a empresa não esteja licenciada e a inibição dos sócios e administradores poderem iniciar outra atividade quando existam condenações por incumprimento grave da legislação.
Já no que respeita ao período experimental, o objetivo é consagrar no Código do Trabalho a decisão do Tribunal Constitucional, mas também estabelecer um período de aviso prévio de 30 dias para garantir previsibilidade aos trabalhadores.
O Executivo admite ainda tornar obrigatória a comunicação à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) quando a denúncia de contrato ocorra depois de 120 dias. Em matéria de negociação coletiva, vai beneficiar as empresas com negociação coletiva dinâmica.
O Governo quer acelerar a execução da agenda do trabalho digno e da revisão da lei laboral, fixando metas para setembro. Mas para os patrões o tema, ainda que importante, não é prioritário.
"Receamos bastante que [as alterações] estejam condicionadas a calendários políticos e não ao interesse das empresas", sinalizou João Vieira Lopes, presidente da Confederação de Comércio e Serviços de Portugal.
Também o presidente da Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva, sinaliza que "a prioridade é garantir a sustentabilidade das empresas para que seja possível assegurar empregos".