Economia

Economista-chefe do FMI diz que pandemia dividiu o mundo em dois blocos económicos

As divergências nas dinâmicas de crescimento ampliaram-se entre "dois blocos" de economias que registam "recuperações divergentes", disse esta terça-feira Gita Gopinath na apresentação em Washington do relatório de atualização das previsões do Fundo Monetário Internacional, intitulado "Linhas de fractura na retoma global"

O acesso à vacinação para combater a pandemia da covid-19 acentuou as divergências de crescimento entre as economias, referiu esta terça-feira Gita Gopinath, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), na apresentação em Washington do relatório de atualização das previsões para as grandes economias.

No relatório intitulado "Linhas de fratura na retoma global", sublinha-se que o acesso à vacinação se tornou "a principal linha de fratura ao longo da qual a recuperação global se dividiu em dois blocos".

Os novos dois blocos não se separam por ideologias ou sistemas políticos da economia, mas entre os países que, devido ao grau de vacinação, podem ter um horizonte de aceleração da "normalização" da economia até final de 2021, e os outros que vão enfrentar novas vagas do vírus e aumentar o número de mortes pela covid-19. No primeiro bloco estão quase todas as economias desenvolvidas.

É naquele segundo bloco que há a ameaça de um "duplo choque" negativo gerado pela conjugação do atraso na vacinação e de novas vagas da pandemia com um aperto na política monetária dos bancos centrais que piorará as condições de financiamento desses países. Esse aperto tanto pode vir de uma alteração súbita, inesperada, na política da Reserva Federal dos Estados Unidos, iniciando a descontinuação dos estímulos (o risco que é mais temido), como do próprio aperto de política monetária já em curso nas economias emergentes, com a subida das taxas diretoras desde o início do ano.

As previsões atuais apontam já para dois grupos de economias com taxas de crescimento mais fracas situadas na África subsariana e no Médio Oriente e na Ásia Central, com taxas de crescimento nos dois anos muito abaixo da média dos emergentes e em desenvolvimento.

O país de crescimento mais fraco no conjunto dos dois anos é a Nigéria, a maior economia africana, e a África do Sul é a única economia entre as 21 analisadas pelo FMI que não consegue completar a recuperação dos níveis anteriores à pandemia até final de 2022.

Mais 80 milhões de novos pobres

"A pandemia tornou-se pior em algumas partes do mundo desde as previsões avançadas em abril", diz o relatório do Fundo apresentado por Gopinath. Apesar dos 16,5 biliões de dólares (14 biliões de euros, ao câmbio atual) gastos em estímulos orçamentais desde o início do combate à pandemia, o mundo vai registar mais 80 milhões de novos pobres em 2020 e 2021.

A economista-chefe do Fundo adianta que o custo da pandemia para as famílias foi muito diferente. Enquanto o rendimento per capita levou um corte de 2,8% nas economias desenvolvidas em relação às tendências pré-pandemia, o colapso no rendimento per capita nas economias emergentes e em desenvolvimento (excluindo a China) foi de 6,3%.

Um dos dois cenários pessimistas avançados pelo FMI, alternativos ao cenário-base que informa as previsões divulgadas esta terça-feira, aponta para um custo de 3,5 biliões de dólares (2 biliões de euros, ao câmbio atual) em 2025 nas economias emergentes e em desenvolvimento, que sofreriam 80% do custo global para a economia mundial.

Milhões para uma ação multilateral

Gita sublinhou na apresentação das recomendações que "a ação multilateral tem um papel vital a desempenhar na diminuição das divergências [entre os dois blocos]". "A primeira prioridade", disse ela, "é distribuir vacinas de um modo equitativo". Nas contas do Fundo, quase 40% da população nas economias desenvolvidas está totalmente vacinada face a 11% nos países emergentes e 1,3% nas economias de mais baixo rendimento.

O FMI propôs, por isso, recordou a economista-chefe, um pacote de 50 mil milhões de dólares (42 mil milhões de euros, ao câmbio atual) para cumprir o objetivo de ter 60% da população mundial vacinada contra a covid-19 até meados de 2022. O projecto é apoiado pela Organização Mundial de Saúde, pela Organização Mundial do Comércio e pelo Banco Mundial.

A este envelope, o FMI propõe adicionar uma proposta de alocação de Direitos de Saque Especial (a unidade monetária do Fundo) no valor de 650 mil milhões de dólares (550 mil milhões de euros, ao câmbio atual) para aliviar os constrangimentos de liquidez que surjam.