A presidente do Banco Central Europeu (BCE) voltou a afirmar esta sexta-feira na abertura do 31º Congresso Bancário Europeu, a decorrer em Frankfurt, na Alemanha, que a pressão inflacionista que se vive na zona euro "vai abrandar no médio prazo". E avisou que avançar com um aperto "prematuro" na política monetária - uma redução dos estímulos por via dos programas de aquisição de ativos e das taxas de juro em níveis mínimos - iria "exacerbar" os efeitos negativos na retoma económica que está a ser ameaçada "por uma mistura de choques", pelo lado da oferta e da procura, alguns dos quais são globais, fora do controlo da política do BCE.
Christine Lagarde argumentou que "num momento em que o poder de compra já está a ser afetado pelos elevados preços da energia e dos combustíveis, um aperto indevido representaria um indesejável vento contrário para a retoma económica".
Dito de outro modo, uma retirada precipitada dos estímulos monetários prejudicaria ainda mais as famílias e as empresas, já afetadas pela carestia de vida e a subida nos preços na produção, e não resolveria dois problemas globais - o disparo nos preços da energia motivados por factores geopolíticos (atuação do cartel ampliado da OPEP + sobre a produção do crude e as restrições de fornecimento de gás à Europa por parte da Rússia) e os constrangimentos que continuam nas cadeias de fornecimento, e que se poderão acentuar com o agravamento da pandemia à escala global.
Por isso reafirmou o que tem dito ultimamente - e que é a linha oficial do BCE, cujas atas da última reunião de 28 de outubro serão publicadas na próxima quinta-feira -, que "não prevê que as taxas de inflação acima do nosso objetivo [da política monetária, em 2%] se tornem autosustentáveis". Recorde-se que, em outubro, a inflação na zona euro subiu para 4,1% (em termos homólogos, ou seja, em relação ao mesmo mês do ano passado), impulsionada em larga medida pelo disparo nos preços da energia (de 23,7%).
Lagarde referiu que o contributo do surto dos preços na energia em outubro valeu 2,2 pontos percentuais, mais de metade da taxa global de 4,1%.
"Nós apontamos para o médio prazo e não nos focamos na situação atual", sublinhou Lagarde, justificando, por isso, a "paciência" do BCE em não se precipitar, pois "não faz sentido reagir agora, quando o efeito [das restrições na política monetária] só teriam um efeito na economia depois do choque [de preços] passar". Os efeitos da política monetária não são imediatos, atuam com um "atraso", explicou Lagarde.
A presidente do BCE repetiu perante os banqueiros europeus reunidos em Frankfurt que "é muito pouco provável que estejam reunidas condições para subir as taxas de juro no próximo ano" e que a estratégia a seguir ao fecho em março do programa de emergência (conhecido pela sigla PEPP) só será definida na próxima reunião de 16 de dezembro.
Preços na produção continuam a escalar
A presidente do BCE referiu que a subida nos preços de produção está em máximos desde 1999 na zona euro. Esta é a outra "inflação" a que tem de se estar atento. Não se trata da inflação baseada nos preços no consumidor, mas está a montante, com forte impacto nos custos industriais e acabará por se repercutir nos preços no consumo.
Os dois choques cruzados na oferta e na procura geraram um surto nos preços industriais. Em setembro, o índice na zona euro subiu 16% (em termos homólogos), com disparos assinaláveis na Irlanda (quase 83%), na Bélgica e em Espanha acima de 29%. Em Portugal, recorde.se, foi de 15,3%, abaixo da média da zona euro.
Os dados de outubro ainda não são conhecidos para a zona euro, mas foram divulgados esta sexta-feira os relativos à Alemanha, a maior economia do euro, onde os preços na produção subiram 18,4%, claramente acima do aumento de 13,3% em setembro. A subida de outubro é a mais elevada na Alemanha desde há 70 anos, desde novembro de 1951.
Em setembro, na zona euro, os preços da energia na produção aumentaram quase 41% e os dos bens intermédios (fornecidos às cadeias de produção) aumentaram 15,2%.