Se somarmos todas as taxas de imposto a que as empresas estão sujeitas e colocarmos Portugal no panorama internacional, a comparação não é abonatória. Portugal aparece com uma taxa estatutária de 31,5%, um dos valores mais altos de toda a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), sugerindo os resultados que somos dos países que mais IRC cobram às empresas. Contudo, se formos além da soma aritmética de taxas e analisarmos a distribuição do imposto um pouco mais a fundo, as conclusões já nos afastam dos extremos.
Um estudo recente do Banco de Portugal tenta fazer este exercício e conclui que, em termos globais, as empresas pagam uma taxa efetiva de 25% de IRC em Portugal (já considerando tributações autónomas), e que esta percentagem se manteve relativamente estável na ultima década, um período em que a governação alternou entre executivos do PSD/CDS e do PS.
O imposto que as empresas pagam é composto por vários fatores. Temos a chamada taxa nominal de IRC – que começou em 1990 nos 36,5%, que desceu de 25% para 21% durante o Governo de Passos Coelho e que, desde então, se mantém inalterada. Depois temos a derrama municipal, um adicional que cada autarquia pode lançar – ou desonerar ou mesmo isentar. E, em terceiro lugar, temos ainda a chamada derrama estadual, uma espécie de sobretaxa de IRC criada já durante a crise paga por empresas com lucros tributáveis mais altos e que, nos últimos anos, foi agravada para as maiores empresas. Somando isto tudo, as comparações mais simples chegam à conclusão que o IRC em Portugal pode atingir os 31,5%. Mas esses números não só consideram que a base tributável é a mesma, em cada uma das parcelas, como não levam em consideração o efeito dos benefícios e desagravamentos fiscais.
É, por isso, necessário, olhar para as taxas efetivas, e não apenas para as estatutárias. O problema é como chegar às taxas efetivas, em termos agregados, e como compará-las com os diversos regimes internacionais. Várias entidades têm feito este exercício ao longo dos anos, mas os resultados são sempre parciais (porque os regimes fiscais são complexos e muito diferentes entre si) e dependem muito da metodologia usada. Três economistas do Banco de Portugal deram mais um contributo para a análise.
Na Revista de Estudos Económicos lançada em janeiro de 2022, numa altura em que PSD, Iniciativa Liberal e CDS apontavam a fiscalidade (e a fiscalidade das empresas) como um dos problemas da competitividade da economia, o estudo veio pôr alguma água na fervura.
Maiores empresas pagam mais impostos? Nem sempre
Partindo da análise de dados comunicados pelas empresas através da Informação Empresarial Simplificada (IES), entre 2010 e 2019, os economistas concluem que as empresas pagam cerca de 25% de IRC (longe dos 31,5% de taxa estatutária em que Portugal aparece nas estatísticas internacionais). Neste período, apesar de a taxa nominal de IRC ter descido em quatro pontos percentuais, a taxa efetiva não oscilou significativamente. Uma das explicações estará no facto de a derrama estadual, uma espécie de sobretaxa criada em 2010, ter sido agravada e exigido mais imposto às grandes empresas.
Já quando se compara o imposto pago por setor de atividade, ou a distribuição do IRC em função da produtividade ou a dimensão das empresas, as conclusões são menos óbvias.
Por exemplo, a ideia de que as maiores empresas pagam uma taxa efetiva de IRC superior nem sempre se verifica. Ou, pelo menos, essa relação não é igual em todos os setores. Na energia e na indústria transformadora e nos serviços verifica-se, de facto, que as empresas de maior dimensão tendem a pagar uma proporção maior de imposto, mas outros setores há em que a relação não é evidente. É o caso da construção e do setor primário, onde a dimensão não conta.
Uma segunda conclusão, esta alinhada com outros resultados, é que a carga fiscal tende a baixar à medida que o nível de endividamento das empresas aumenta. Isto acontece porque, embora nos últimos anos tenham sido criados instrumentos para reduzir a diferença no tratamento fiscal entre financiamento das empresas por via da dívida ou capitais próprios, eles continuam a privilegiar quem recorra a endividamento (porque os juros são considerados custo).
Uma terceira conclusão, também em linha com o que já tinha sido diagnosticado, é que as nossas regras de IRC tendem a favorecer empresas com mais ativos fixos – aquilo que os economistas chamam empresas “com intensidade capitalística”. Porque os ativos fixos podem (na sua maioria) ser amortizados para efeitos fiscais, as empresas com mais ativos tendem a ter uma taxa efetiva menor.
Por fim, os economistas indicam ainda que, nalguns segmentos, o IRC efetivo tende a ser menor nas empresas mais produtivas. Porquê? “Pode argumentar-se que, à medida que se tornam mais produtivas, as empresas passam a dispor de mais recursos que lhes permitam recorrer a planeamento fiscal ou organizar as suas atividades de modo a otimizar as poupanças com o pagamento de impostos”, pode ler-se no estudo.
“Pode argumentar-se que, à medida que se tornam mais produtivas, as empresas passam a dispor de mais recursos que lhes permitam recorrer a planeamento fiscal ou organizar as suas atividades de modo a otimizar as poupanças com o pagamento de impostos“
Cláudia Braz, Sónia Cabral e Maria Manuel Campos – Uma análise micro da tributação sobre o rendimento das empresas em Portugal
Embora avisando que as conclusões deste exercício estão condicionadas pela metodologia e são dificultadas pela “proliferação de benefícios fiscais, muitos dos quais não quantificados”, que se multiplicam nos impostos, as conclusões apontam no mesmo sentido.
A análise refere que “em termos de receita, embora o IRC seja o terceiro maior imposto em Portugal, o seu peso na carga fiscal total ou no PIB é relativamente pequeno e muito estável, tal como na média dos países da UE (8,7% e 3%, respetivamente, ao longo das duas últimas décadas)”. E exige menos às empresas do que parece.