Depois de concluído um relatório de diagnóstico sobre o estado da literacia financeira digital em Portugal, que aponta para a “falta de conhecimento” da população sobre os serviços financeiros digitais, o Banco de Portugal (BdP) considera que chegou a hora de avançar com uma estratégia que garanta a segurança de quem navega online e nem sempre tem presente que há riscos de burla e fraude.
A maior utilização de serviços financeiros online disparou quando começou a pandemia e desde então o número de vitimas de fraude e burla aumentou, umas vezes porque os utilizadores são descuidados - fornecem os seus contactos a piratas que criam páginas-fantasma de bancos - e outras vezes porque o modus operandi dos burlões digitais é cada vez mais sofisticado e não é assim tão difícil cair no engano.
Um relatório de diagnóstico da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, elaborado em 2022-2023, aponta para uma estratégia a implementar até 2028 e parte de conclusões que permitem ao supervisor liderado por Mário Centeno concluir que há trabalho a fazer em termos de "inclusão (financeira) digital, nomeadamente para certos subgrupos da população", lê-se no relatório.
Uma das conclusões do documento revela que "mais de metade das pessoas que não utiliza a internet considera que a sua utilização é demasiado complicada, ao passo que quase um terço considera que não tem necessidade de a utilizar".
As causas que concorrem para esta conclusão encontram eco “na preferência pelo contacto pessoal”, mas a "falta de conhecimento" é outro ponto importante que inibe as pessoas a entrar num mundo mais digital e não usar por exemplo carteiras digitais.
O relatório diz mesmo que "embora a utilização da internet seja generalizada em Portugal, com maior preponderância da utilização de smartphones do que de computadores, cerca de um quarto da população não utiliza ferramentas digitais para realizar certas atividades diárias ou para interagir com serviços financeiros".
Segundo o relatório, é necessário "promover a adoção de medidas básicas de segurança online", ainda que “a maior parte da população portuguesa pareça adotar alguns procedimentos de segurança quando utiliza a internet (por exemplo, quando define palavras-passe ou utiliza software antivírus adequado)”.
E ficou também revelada "a necessidade de reforçar as competências das pessoas para proteção dos seus dados pessoais quando utilizam ferramentas digitais", já que "um quarto dos utilizadores da internet em Portugal não lê nem se certifica de que compreende as políticas de privacidade antes de fornecer dados pessoais e que mais de metade nunca solicita aos administradores de sítios web que eliminem os seus dados pessoais quando deixam de ter intenção de utilizar esses sítios".
É uma realidade a "necessidade de ajudar as pessoas a adotarem atitudes e comportamentos financeiros digitais seguros", por isso é preciso dar respostas e avançar com programas de formação e esclarecimento entre os diversos atores, defende o BdP.
Jovens e séniores são grupos prioritários
Já estão identificados grupos prioritários na ação de formação financeira digital entre 2023-2028. Para isso serviu o relatório de diagnóstico da OCDE no que diz respeito aos "níveis de literacia financeira digital, o risco de exposição a burlas/fraudes online, aspetos de inclusão financeira e digital e a dimensão do grupo-alvo".
O foco estará em particular na geração mais jovem, nomeadamente os jovens entre os 16 e os 24 anos que "utilizam amplamente a internet e as ferramentas digitais" para atividades básicas como compras online ou "a utilização de homebanking, mas também em atividades de maior risco, como a aquisição e a negociação de criptoativos".
Os séniores são outro dos grupos-alvo identificados. São pessoas com idade igual ou superior a 55 anos, sobretudo pessoas com idade igual ou superior a 70 anos que utilizam menos a internet do que os mais jovens mas para as quais "a complexidade é considerada a principal razão para não o fazer", como refere o relatório.
É neste grupo que existe mais exclusão digital face ao resto da população. E é também neste grupo que se regista uma elevada exposição aos riscos online, já que não têm um conhecimento básico tão desejável relativamente a medidas de segurança a adotar.
Também as pessoas com baixos rendimentos e ou com um baixo nível de escolaridade estão entre os grupos que apresentam níveis de inclusão menores.
Desempregados são as maiores vítimas de fraude
Os desempregados são outro dos grupos referenciados no estudo como sendo "vulneráveis".
Segundo o documento do BdP, "os desempregados são o grupo da população com a percentagem mais elevada de vítimas de fraude online". "Pessoas que vivem em cidades pequenas utilizam menos a internet e as ferramentas digitais do que as pessoas que vivem em cidades grandes, o que é evidenciado por um índice de utilização digital mais baixo", refere o estudo.
No relatório de mais de 50 páginas são delineados programas de formação e diversas ações de esclarecimento que serão monitorizadas pelo Banco de Portugal mas que se espera que tenham parceiros diversos a tomar iniciativas, incluindo os bancos.
A entrada no mercado de novos intervenientes, como por exemplo as fintechs, e de produtos como os criptoativos, é um factor que deve passar por um maior esclarecimento mesmo por parte daqueles que melhor lidam com os serviços digitais financeiros em termos de informação e riscos inerentes.
"A digitalização aumentou a exposição dos consumidores a fraudes e burlas online, como esquemas de phishing, e também a riscos de segurança digital, como a pirataria informática ou o roubo de dados", diz o relatório do Banco de Portugal, concluindo que esta situação “pode comprometer a resiliência financeira e o bem-estar dos consumidores devido a perdas financeiras diretas e à perda de confiança” no sistema. É neste enquadramento que todos devem prestar os melhores esclarecimentos e programar ações de formação não só junto dos grupos prioritários como nos restantes grupos, mais preparados.
"Uma maior digitalização pode também conduzir a novos tipos de exclusão para determinados grupos da população, em especial os que têm poucas competências digitais ou os que não têm acesso a ferramentas digitais", alerta ainda o BdP.
O Banco de Portugal tem também preocupações que passam pela facilidade com que os consumidores têm acesso a canais digitais. "As operações efetuadas através de canais digitais podem levar alguns consumidores a tomar decisões financeiras impulsivas, dada a rapidez de acesso aos produtos e serviços financeiros", o que pode ter "consequências graves", no que diz respeito a um maior nível de endividamento, sublinha o banco central.