Economia

Desacordo entre grandes credores e países devedores tende a penalizar esperança média de vida

Um estudo da Open Society Foundations concluiu, com base na análise de mais de uma centena de falências soberanas no último século, que quaisquer dificuldades na negociação dos termos das reestruturações têm um impacto claro na mortalidade infantil e na esperança média de vida das populações

Desacordo entre grandes credores e países devedores tende a penalizar esperança média de vida

Morrem mais crianças e cai a esperança média de vida nos países mais pobres quando, em caso de incumprimento soberano, os credores têm dificuldade a chegar a acordo com os governos locais. A conclusão é do estudo “The Human Costs of the Failing Global Debt System” ("Os custos humanos do falido sistema global de dívida", na tradução para português) promovido pela Open Society Foundations.

Com base em 131 casos de incumprimento soberano a nível global, num intervalo de tempo que vai desde 1900 até aos dias de hoje, os economistas responsáveis pelo estudo, Clemens Graf von Luckner e Juan P. Farah-Yacoub, concluem que a gestão dos incumprimentos por parte de grandes credores como o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem um grande custo humano no caso de haver dificuldades e atrasos nas renegociações da dívida. E conseguem quantificar algum desse custo humano.

Por exemplo: a mortalidade infantil. Se, no caso de incumprimento de um país, as partes conseguirem chegar a um acordo em menos de três anos, a mortalidade infantil nos dez anos seguintes à falência aumenta 2,2% face a uma situação de estabilidade financeira. Se a crise continuar além desses três anos, o crescimento da mortalidade infantil nos dez anos seguintes é de 11,4%. No que concerne a esperança média de vida, esta, dez anos depois de uma bancarrota, cai o equivalente a mais de um ano.

E, relativamente a crescimento económico, um default tende a provocar uma diminuição do ritmo de crescimento da produção real per capita na ordem dos 2,5 pontos percentuais no ano imediatamente a seguir à falência; aumentando o diferencial em 1,5 pontos percentuais por cada ano seguinte. No comunicado, os promotores especificam que, em dez anos, a discrepância no ritmo de crescimento é de cerca de 14,5 pontos percentuais.

Choques como o aumento acelerado das taxas de juro a nível global e a pandemia da covid-19 penalizaram a capacidade de os países mais pobres conseguirem garantir o serviço da dívida. Ao declararem incumprimento, a taxa de inflação tende a aumentar e o inevitável apertar do cinto tem como consequência o aumento do desemprego e a degradação das estruturas de apoio estatal, como subsídios, escolas, ou serviços de saúde. Uma quebra na despesa que, realçam os autores, “atinge mais as famílias pobres”.

“A esperança de vida, apesar de estar correlacionada globalmente com o rendimento, também depende diretamente do acesso a serviços de saúde e de educação. Do mesmo modo, a mortalidade infantil - a taxa de recém-nascidos que não cumprem um ano de vida - depende de forma decisiva das infaestruturas de saúde, mas também dos meios que permitem custear os serviços de saúde, e do nível educativo relacionado com o bem-estar maternal”, segundo o estudo.

“Quando quedas súbitas nos rendimentos reais disponíveis obrigam os indivíduos mais pobres a focar os recursos limitados nas compras mais necessárias, como alimentação e abrigo, a despesa afasta-se rapidamente de aquisições que aumentariam as hipóteses de uma vida saudável no longo-prazo, ou de investimentos como cuidados pré-natais”, frisam os autores do estudo.

“E da mesma maneira que os serviços de saúde e de educação são, pelo menos em alguns países, fornecidos de forma gratuita pelo estados a quem não conseguir pagá-los, estas redes de segurança têm maior probabilidade de falhar em momentos de necessidade; por exemplo, durante o tipo de crise que coincide com um incumprimento soberano. Entretanto, a arquitetura existente para a dívida global não esteve à altura do desafio”, lamentam.

“As conclusões sublinham os danos profundos provocados pelo falhando do sistema financeiro global atual em conseguir soluções rápidas para os países em falência, em parte devido ao envolvimento de um conjunto cada vez mais complexo de credores - incluindo instituições financeiras internacionais como bancos de desenvolvimento, bancos comerciais, países credores incluindo a China, e credores privados comerciais”, explicam ainda os autores do estudo.

“Sistema global disfuncional”

O presidente da Open Society Foundations, Mark Malloch-Brown, citado no comunicado, defende que “os resultados ilustram fortemente como um sistema financeiro global disfuncional está a causar sofrimento humano”, algo “trágico mas totalmente evitável”.

A divulgação do estudo visa influenciar as negociações dos líderes globais, que se encontrarão na quinta e sexta-feira, em Paris, para a cimeira Focus 2030 sobre um novo pacto financeiro mundial. “A Open Society Foundations, juntamente com um alargado conjunto de associações da sociedade civil, estão a pressionar os líderes reunidos na cimeira de Paris para que se comprometam com políticas que reformem de forma significativa o processo internacional de reestruturação de dívidas, permitindo a resolução justa e sustentável de uma falência soberana, de forma atempada”.

As propostas para se alterar este estado de coisas incluem “o estabelecimento de processos claros com calendários firmes para se chegar a acordo”, evitando períodos prolongados de indefinição. Propõem que o Fundo Monetário Internacional (FMI) use a sua autoridade de forma “mais agressiva" para poder iniciar programas de financiamento mesmo que haja credores que recusem os termos da reestruturação. Outra medida prevê que os credores privados não possam recusar acordos de reestruturação, para evitar que recuperem mais à frente a totalidade dos investimentos através de processos em tribunal.

“As instituições financeiras internacionais necessitam de um financiamento mais significativo do Norte Global [os países desenvolvidos], dando-lhes os recursos necessários para financiar adequadamente a recuperação de falências e permitir o crescimento económico necessário para evitar novas falências no futuro”, apela a organização.