Economia

Exclusivo SIC

Uma visita ao complexo onde são produzidas e recuperadas notas - e onde é guardada metade da reserva de ouro do país

A SIC teve acesso exclusivo ao complexo do Carregado do Banco de Portugal, protegido por forças especiais da GNR, onde circulam muitos milhões de euros todos os dias. É também neste local que estão armazenadas quase metade das reservas de ouro do país. Só no ano passado, o Banco de Portugal recuperou quase 29 mil notas danificadas.

Loading...

Paletes e mais paletes guardam milhões de euros. Não se sabe ao certo quanto dinheiro está dentro dos portões do complexo do Carregado do Banco de Portugal.É lá que todos os anos chegam milhares de notas estragadas e danificadas. Cabe aos especialistas do Banco de Portugal recuperá-las e devolvê-las à economia. O edifício guarda também quase metade das reservas de ouro do país.

O complexo do Carregado é protegido 24 horas por dia pelas forças especiais da GNR e pelo serviço de segurança do Banco de Portugal. Na casa-forte, estão mais de 11 mil milhões de euros em barras de ouro, quase metade da reserva nacional.

Nos 67 mil metros quadrados, vedados ao público, além de se fabricarem notas, o que depende sempre da decisão do Banco Central Europeu, também se recuperam notas danificadas. São depois enviadas pelos bancos comerciais através das empresas de transporte de valores e também pelos cidadãos que querem recuperar o dinheiro, como aconteceu depois dos incêndios de Pedrógão Grande, há seis anos.

José Luís Ferreira, coordenador do Departamento de Numerário do Carregado, relatou um caso de 2017, após os incêndios de Pedrógão, onde uma empresa completamente destruída pelo fogo enviou um cofre com notas carbonizadas. O dono da empresa, desesperado, explicou que precisava do dinheiro para pagar os salários dos funcionários, muitos dos quais perderam tudo. As pessoas que trabalharam nesse processo ficaram muito tocadas pela situação.

Mas não é só em casos de incêndios ou inundações que chegam notas ao Banco de Portugal. Durante a pandemia, quando a atividade comercial física diminuiu drasticamente, ainda havia procura por numerário. As pessoas guardavam dinheiro para comprar bens de necessidade sem depender de sistemas eletrónicos. Começara a aparecer notas enterradas, reconhecíveis pelo estado de deterioração.

Ao Carregado, chegam todos os dias milhares de notas, que são verificadas por máquinas com sensores exclusivos dos bancos centrais. Se alguma anomalia for detetada, a nota é avaliada por um técnico. Se não cumprir os critérios de qualidade, será destruída e substituída.

Só no ano passado, o Banco Central recuperou manualmente mais de 650 mil notas, reembolsando um total de 11 milhões de euros. Além das notas que chegam dos bancos, milhares de pessoas enviam notas incompletas ou fragmentadas para o Banco de Portugal.

José Luís Ferreira explicou que o Banco de Portugal presta um serviço gratuito de valorização de notas. Se as notas tiverem mais de 50% da superfície original e forem comprovadamente genuínas, o valor será reembolsado. Em 2023, chegaram ao Carregado 28.768 notas fragmentadas, e foi pago aos apresentantes um total de 1,4 milhões de euros.

Um exemplo é uma nota de 20 euros que foi acidentalmente mordida por um cão. Os especialistas do Banco de Portugal têm de reconstruir a nota para apurar se é verdadeira, um trabalho que requer paciência e minúcia. Se a nota reconstituída tiver 50% ou mais da superfície recuperada, o banco reembolsa o valor; caso contrário, o dono não recebe nada.

Infelizmente, muitas pessoas guardam dinheiro em locais inusitados, como chaminés e fornos, o que às vezes resulta em perda total. A deterioração pode ser tão severa que não permite a recuperação do valor.

A introdução do euro digital está iminente e alterará a forma como lidamos com o numerário, mas as notas não vão desaparecer.

"O numerário ainda é visto como um refúgio em eventos disruptivos, como incêndios, guerras e terremotos. As pessoas procuram ter dinheiro no bolso para comprar bens, medicamentos...", defendeu o coordenador do Departamento Numerário Carregado

As notas que seguem para destruição são incineradas em ambiente controlado. Os resíduos são depois utilizados para produção de energia elétrica. No ano passado, a Valora, a fábrica de notas do Banco de Portugal, produziu mais de 265 milhões de notas de 20 euros.