Eleições Legislativas

Legislativas: dos votos anulados à decisão do TC que trocou as voltas ao novo Governo

As eleições vão ser repetidas na Europa. Saiba porquê.

Legislativas: dos votos anulados à decisão do TC que trocou as voltas ao novo Governo

O Tribunal Constitucional (TC) decidiu, por unanimidade, declarar a nulidade das eleições legislativas no círculo da Europa, que terão de ser repetidas, uma decisão inédita, após milhares de votos terem sido invalidados. Recorde como chegámos à decisão desta terça-feira, que alterou as contas ao novo Governo.

A participação das comunidades portuguesas nas eleições legislativas do passado dia 30 de janeiro aumentou, mas foi a nulidade de mais de 80% dos votos dos emigrantes pelo círculo da Europa que marcou este ato eleitoral.

Vários partidos criticaram o sucedido e alguns constestaram a anulação junto dos juízes do Palácio Ratton. O Livre, o Volt Portugal, PAN, e o Chega apresentaram recursos no TC. O mesmo fez o Movimento Alternativa Socialista (MAS) mas o recuso não foi admitido. Já o PSD avançou com uma queixa-crime no Ministério Público para responsabilizar quem, “com dolo e conscientemente”, cometeu um “crime” na contagem dos votos da emigração.

Apesar de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ter dito que estes recursos não atrasariam a data da tomada de posse do novo Governo, prevista para 23 deste mês, não é esse o cenário que se avizinha.

Mas, afinal, o que se passou? Como chegámos até à repetição das eleições para elege quatro deputados?

Para as eleições legislativas de 2022 estavam inscritos 1.521.947 eleitores no estrangeiro, que escolheram quatro deputados: dois para o círculo da Europa e dois para o círculo Fora da Europa.

O aumento do número de deputados eleitos por estes círculos da emigração é uma reclamação antiga das comunidades portuguesas.

Para a eleição para a Assembleia da República, os eleitores no estrangeiro puderam votar por via postal, recebendo o boletim de voto na sua morada, ou presencialmente, junto da respetiva comissão recenseadora (CR) no estrangeiro, caso tenham optado por esta modalidade até à data da publicação em Diário da República da marcação do dia da eleição.

Dois deputados para o PS e dois para o PSD

Os votos dos emigrantes nas eleições legislativas de 30 de janeiro deram mais dois deputados ao PS e dois deputados ao PSD.

Nestas eleições, o PS teve 37,72% e o PSD 28,40% dos votos, enquanto o Chega terminou como terceira força política, com 9,86%.

No círculo da Europa, cujas eleições foram agora anuladas, o PS conquistou 14.345 (39,63%) dos 36.191 votos válidos e o PSD 9.761 (27,05%), tendo o Chega sido o terceiro partido mais votado, com 3.985 votos (11,01%). Teriam sido eleitos Paulo Pisco, do PS, e Maria Ester Vargas, do PSD.

No círculo Fora da Europa, o PSD foi o partido mais votado, com 23.942 (37,09%) dos 64.534 votos válidos, enquanto o PS obteve 19.084 (29,57%), tendo o Chega sido, mais uma vez, o terceiro partido mais votado, com 6.123 votos (9,48%).

Foram eleitos António Maló de Abreu, do PSD, e Augusto Santos Silva, do PS.

Mais votos das comunidades

O número total de votantes no círculo da Europa equivale a 20,67% do número de inscritos, o que representa um forte aumento da participação relativamente às legislativas de 2019, quando apenas 12,05% dos eleitores inscritos no estrangeiro votaram.

No círculo eleitoral Fora da Europa, a participação foi de 10,86%, também maior do que a participação de 2019, quando apenas 8,81% dos eleitores registados votaram.

Considerados nulos 80,32% dos votos do círculo da Europa

Mais de 80% dos votos dos emigrantes no círculo da Europa foram considerados nulos, após protestos do PSD contra a maioria das mesas ter validado votos que não vinham acompanhados de cópia da identificação do eleitor, como exige a lei.

Como esses votos foram misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados de dezenas de mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los uma vez na urna.

De um total de 195.701 votos recebidos, 157.205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%.

No círculo eleitoral Fora da Europa, o número de votos nulos foi de 1.907, ou seja 2,95% dos 64.534 votos registados.

Situação “inaceitável” mas PS opta por não agir

O PS considerou esta situação “totalmente inaceitável” e “absolutamente evitável”, mas decidiu não recorrer da anulação de mais de 157 mil votos de emigrantes para evitar “mais perturbação”, justificou o deputado socialista Paulo Pisco.

Em comunicado, o Partido Socialista afirmou que “não contribuirá mais para o prolongamento deste grave e inútil incidente provocado pelo PSD e deseja que todo o processo eleitoral fique encerrado o mais rapidamente possível, para dar lugar à nova legislatura”.

PSD alega cumprimento da lei

O presidente do PSD rejeitou que a responsabilidade da anulação de 157 mil votos da emigração seja “de quem reclamou” o cumprimento da lei, admitindo a necessidade de “revisitar” a lei eleitoral.

“Se os votos que estavam sob protesto, que não trouxeram fotocópia do cartão de cidadão, não tivessem entrado na urna e tivessem ficado à espera da decisão, isto não aconteceria. A responsabilidade não é de quem reclamou, é de quem pegou neles e os misturou com os outros”, acusou Rui Rio, questionado pelos jornalistas, à margem de uma declaração no parlamento sobre outra matéria.

O presidente do PSD frisou que a lei diz que os votos têm de ser acompanhados da identificação, para garantir que foi aquela pessoa que votou.

MAI diz que anulação “é deplorável

O Ministério da Administração Interna (MAI) classificou de “deplorável” a anulação de mais de 80% dos votos no círculo da Europa e salientou que não participou na reunião de delegados de candidatura que originou este caso.

Estas posições constam de um comunicado do MAI sobre as circunstâncias em que os cidadãos emigrantes exerceram o seu direito de votos nos círculos da Europa e Fora da Europa nas recentes eleições legislativas.

Partidos entram em ação

O PSD avançou com uma queixa no Ministério Público para responsabilizar quem, “com dolo e conscientemente”, cometeu um “crime” na contagem dos votos da emigração.

“Entendemos que as pessoas devem ser alvo do respetivo processo-crime face ao rompimento com a lei de forma dolosa porque sabiam o que estavam a fazer e falsearam o resultado e, assim, 80% dos votos não puderam ser considerados”, afirmou Rui Rio.

O Bloco de Esquerda sugeriu ouvir no Parlamento as entidades envolvidas nas legislativas para obter explicações, considerando que só depois dessa auscultação é que se pode estudar “alterações cirúrgicas” à lei eleitoral.

Mais contestários foram o Livre, PAN, Volt e Chega que avançaram para o Tribunal Constitucional. E, esta terça-feira, a decisão unânime foi revelada: repetir as eleições no círculo da Europa.

TC troca voltas a Marcelo e a Costa

Com a decisão do Constitucional, a data prevista para a tomada de posse do novo Governo é inevitavelmente adiada.

Segundo o Artigo 119.º da Lei Eleitoral, os atos eleitorais julgados nulos “(…) são repetidos no segundo domingo, posterior à decisão”, ou seja, as votações deverão repetir-se a 27 de fevereiro e a respetiva contagem no fim de semana seguinte.

Desta forma, e caso todos os prazos sejam cumpridos, estima-se que a tomada de posse do novo Governo de António Costa aconteça só no final da primeira quinzena de março.

COM LUSA