Criado pela Conferência Episcopal Portuguesa em Maio de 2023, o grupo VITA, liderado pela psicóloga Rute Agulhas, apresentou esta terça-feira em Fátima os dados recolhidos no último ano.
Desde que entrou em funcionamento o grupo VITA recebeu 105 denúncias de alegadas vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja Católica em Portugal, mas apenas 24 casos foram encaminhados para o Ministério Público. Paralelamente, foram comunicadas às estruturas da Igreja 66 situações. Não foram comunicados casos em que o denunciado já tenha morrido ou esteja já a decorrer um processo judicial próprio.
No total foram recebidas 485 chamadas telefónicas, mas nem todas correspondem a denúncias de abusos sexuais. 28 dizem respeito a situações de violência não relacionadas com missão do Grupo VITA, nomeadamente abuso sexual intrafamiliar e violência doméstica, tendo sido "encaminhadas para outras entidades", refere o relatório hoje tornado público.
Nos contactos estabelecidos, foi também identificado um leigo que cometeu crimes sexuais e que foi encaminhado para apoio psicológico disponibilizado por um profissional da bolsa do Grupo VITA (que conta com 67 psicólogos e cinco psiquiatras, sendo os custos suportados pela Igreja).
As denúncias e pedidos de ajuda podem ser feitos através da linha telefónica (915 090 000) ou pelo formulário de denúncia (https://grupovita.pt/formulario/).
QUEM SÃO AS ALEGADAS VÍTIMAS E AGRESSORES?
Ao longo deste ano foram realizados 64 atendimentos, presenciais ou online, mas as estatísticas apresentados recaem apenas sobre 58 alegadas vítimas.
A maioria, 72,5%, "recorreu ao Grupo VITA para efeitos de apresentação da sua situação", mas 27,5% já tinha sinalizado o caso à já extinta Comissão Independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht.
O sexo masculino é predominante entre os denunciantes (60,3%), todos possuem nacionalidade portuguesa e a idade atual varia entre os 19 e os 75 anos (com a média de idades a rondar os 53 anos). A idade em que terá ocorrido o primeiro abuso varia entre os 5 e os 25 anos de idade, sendo a idade mais prevalecente os 11 anos. À data dos alegados abusos, 67,2% viviam com a família e 31% em instituições. A maioria das denúncias reporta-se aos anos 60 (seguindo-se os anos 80, 70 e 90 e só depois o século XXI).
Relativamente à frequência e duração da situação abusiva, a maioria não consegue precisar termos, mas 14% dizem que o abuso aconteceu uma vez isolada e 17% "algumas vezes". Predominam as denúncias em relação a sacerdotes (apenas uma denúncia identifica uma pessoa do sexo feminino e cinco identificam leigos, como catequistas ou seminaristas).
82,8% identifica o alegado agressor e em 89,7% referem tê-lo conhecido num contexto "diretamente ligado à Igreja". No relatório pode também ler-se que "a maior parte das situações no contexto da Igreja aconteceram, sobretudo, no confessionário, seguido da sacristia" e que "para 16 vítimas as situações abusivas ocorreram na casa do padre, no seu carro, noseu gabinete, na sua casa de férias ou na casa paroquial". Sete pessoas descrevem comportamentos abusivos no Seminário.
Toques ou carícias em zonas erógenas do corpo e beijos nesses mesmos locais são o comportamento mais descrito (53,4%), seguindo-se a manipulação dos órgãos genitais (34,5%).
37,9% das alegadas vítimas estão atualmente solteiras, 31% numa relação (casadas ou em união de facto) e 63,7% têm filhos. A região Norte é onde surgem mais queixas (20), seguindo-se Lisboa e Vale do Tejo (17), Centro (15), Madeira (3), Alentejo (2) e Açores (1).
39,6% das alegadas vítimas tem escolaridade até ao 9.º ano, 22,4% têm o ensino secundário concluído e 38% frequentaram o ensino superior (licenciatura, mestrado ou doutoramento). Cerca de 50% trabalham e aproximadamente 21% estão reformadas. À volta de 16% encontram-se desempregadas ou sem ocupação.
Mais de metade (55,2%) consideram-se católicas, mas, em termos de frequência, apenas perto de 21% diz participar "todos os dias", "mais do que uma vez por semana" ou "uma vez por semana" em atos religiosos. 19% fazem-no de forma ocasional.
RECEBIDOS 39 PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO
Durante os contactos com o Grupo VITA, a necessidade mais frequentemente reportada pelas vítimas é o apoio psicológico (em 67,2% dos casos), tendo 10 vítimas reportado a necessidade de apoio psiquiátrico, seis de apoio social e uma de apoio espiritual
Quanto às compensações financeiras, até ao momento foram recebidos 39 pedidos pelo Grupo Vita.
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) aprovou em abril a criação de um fundo, "com contributo solidário de todas as dioceses", para compensar financeiramente as vítimas de abuso sexual no seio da Igreja Católica em Portugal. "Para dar seguimento a este processo, a Assembleia definiu que os pedidos de compensação financeira deverão ser apresentados ao Grupo VITA ou às Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis entre junho e dezembro de 2024", anunciou a CEP no final da sua Assembleia Plenária realizada em Fátima entre 08 e 11 de abril.
Segundo o episcopado, e não tendo ainda sido esclarecido os moldes exatos de como vai funcionar o processo, "posteriormente, uma comissão de avaliação determinará os montantes das compensações a atribuir".
MAIORIA DOS AGRESSORES NÃO PEDIU DESCULPA
"Na quase totalidade das situações (91,4%), a pessoa que cometeu a violência não reconheceu a agressão e não pediu desculpa", ainda que em cinco casos o agressor tenha reconhecido o comportamento abusivo e pedido desculpa à vítima (uma das situações decorreu de uma decisão judicial).
Em termos de estratégias para cometer o abuso sexual, também 91,4% considera que houve "abuso de autoridade" resultante do estatuto do agressor". 65,5% refere "confiança e familiaridade" e 58,6% fala em estratégias de "engano, confusão e surpresa".
Dos contactos com as vítimas, o Grupo VITA chegou à conclusão de que "o agressor frequentemente utilizava a religião como uma ferramenta de controlo e justificação para as suas ações" e que "a intimidação e o medo eram métodos centrais para as manter submissas e em silêncio". Para o Grupo VITA "o uso da religião como ferramenta de manipulação não só confere uma falsa legitimidade às ações do agressor, como também aprofunda os sentimentos de culpa e a responsabilidade nas vítimas", sendo que "a intimidação através do medo do Inferno ou de consequências divinas cria um ambiente de constante terror psicológico. As vítimas, temendo a punição eterna, são forçadas a manter o silêncio e a submeter-se à violência, reforçando a sensação de impotência e desesperança".
O relatório apresenta ainda os principais os motivos para os abusos não terem sido revelados até este momento: a vergonha sentida pelas vítimas (60,3%), o medo generalizado (46,6%), o medo de não ser levado a sério (36,2%), o sentimento de culpa sentido pelos abusados (34,5%) e o medo de possíveis consequências (22,4 ).
AÇÕES DE FORMAÇÃO DO GRUPO VITA
No último ano foram também promovidas pelo Grupo VITA 19 ações de sensibilização de curta duração sobre abusos no seio da Igreja Católica, dirigidas a dirigentes dos escuteiros, profissionais de escolas católicas, catequistas e membros do clero.
Foram também desencadeadas ações de formação dirigidas aos elementos das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis e aos membros dos Institutos de Vida Consagrada.