O major-general Carlos Branco, autor do livro "Afeganistão - Episódios de uma Guerra Perdida", considera que, apesar da retirada de Cabul, os Estados Unidos têm demonstrado que não desistiram da Ásia Central.
"Os Estados Unidos sofreram uma derrota geoestratégica no curto prazo, mas não atiraram com a 'toalha ao tapete'", defendeu em declarações à agência Lusa Carlos Branco, ex-porta-voz do Comandante das forças da NATO no Afeganistão.
Os talibãs regressaram ao poder no Afeganistão em agosto, após uma ofensiva iniciada quase três meses antes, quando se iniciou a retirada final das forças norte-americanas e de outros países da NATO que estavam no país há 20 anos.
Para a queda do primeiro regime talibã (199-2001) muito contribuíram precisamente as forças dos Estados Unidos.
"O projeto [dos EUA] para dominar as zonas circundantes da Rússia na Ásia Central (Heartland) está para já comprometido porque surge nesta competição uma organização poderosa - Shangai Cooperation Organization - cujo objetivo é impedir o estabelecimento de bases norte-americanas, assim como o estabelecimento de relações de Washington com os países da região", disse o major-general, sem deixar de assinalar os esforços de Washington para se manter na região.
"O trabalho dos Estados Unidos já está em curso, há inclusivamente um exercício militar conjunto entre forças norte-americanas e forças dos países da Ásia Central. Os Estados Unidos continuam a falar com os talibãs, apesar de não libertarem os nove mil milhões de dólares para as atuais despesas correntes de Cabul", precisou.
Carlos Branco disse mesmo que não se surpreenderia "se este novo governo talibã viesse a receber apoio dos Estados Unidos". "O cenário de troca de fundos financeiros pelo estabelecimento de gasodutos pode vir a ser uma realidade", referiu.
Carlos Branco, major-general do Exército na situação de reserva, desempenhou, entre outros, os cargos de porta-voz do comandante das Forças da NATO no Afeganistão e simultaneamente de chefe da Secção de Coordenação da Informação no terreno.
Atualmente é investigador no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) e lança na próxima terça-feira o livro "Afeganistão - Episódios de Uma Guerra Perdida", onde são analisados os aspetos da contra-subversão e o desenrolar da guerra.
Para o major-general, continuam a fazer sentido as intenções dos Estados Unidos em relação ao Afeganistão, nomeadamente quanto à questão da energia, por exemplo o plano de desviar a rede ex-soviética de gasodutos, sobretudo de gás proveniente da bacia do Mar Cáspio.
Carlos Branco diz que as questões energéticas foram a justificação da "relação próxima" da Casa Branca com o regime talibã de Cabul desde a emergência do movimento em 1994.
"O sonho dos Estados Unidos era terem os talibãs como aliados e, beneficiando da situação securitária garantida pelos talibãs, desenvolver os gasodutos. (...) mas os projetos falharam, fundamentalmente por causa dos atentados da Al-Qaida em Dar es Salam e Nairobi, sendo que em 1998 se verifica o rompimento das relações entre Washington e Cabul", indica, lembrando que o Afeganistão dava proteção ao líder da Al-Qaida, Usama bin Laden, cérebro dos atentados de 11 de setembro de 2001.
Sobre Usama bin Laden, Carlos Branco defende que é preciso "analisar os factos".
"Como é que Usama bin Laden foi morto dez anos depois da invasão do Afeganistão? Foi através de uma operação especial do Paquistão, não foi através da invasão do Afeganistão (2001). Não se invade um país para se matar um indivíduo nem para destruir uma organização desta natureza", critica o autor do livro sobre a última guerra no Afeganistão.
"Esta história da guerra global contra o terror foi mais um disparate em que muitos países da Europa ocidental alinharam não tendo ainda feito a autocrítica, assim como ainda não tiveram coragem para dizer aos Estados Unidos que essa guerra não fazia sentido porque não se fazem guerras contra uma estratégia", diz, referindo igualmente o que considera serem erros relacionados com as próprias informações oficiais norte-americanas sobre o curso do conflito.
"Esta situação passou-se também no conflito do Vietname e representa um fator perigoso para as nossas democracias, são ataques às democracias e à transparência. O que está em causa é não se falar verdade. Eu percebo que numa guerra a questão da comunicação tem de ser gerida com cautela, mas uma coisa é dar proeminência a elementos favoráveis outra é esquecer a verdade, falsificar estatísticas, o número de mortos e a atividade do inimigo", alerta.
"Os cidadãos norte-americanos deviam estar extremamente incomodados com este processo", acrescentou.