Tem 39 anos, nasceu em Algueirão, Sintra, e é uma das figuras mais polémicas e disruptivas da política em Portugal. O seu pai era dono de uma loja de bicicletas e a mãe empregada de escritório.
Por convicção própria, quis batizar-se, fazer a primeira comunhão e o crisma aos 14 anos. Daí seguiu-se a ida para o Seminário, impulsionada pela grande fé que ainda hoje tem. A paixão veio a ditar o fim do seu caminho para o sacerdócio. Atualmente, é casado com Dina Nunes, que o acompanha discretamente em eventos públicos, e com quem partilha a fé.
Considera que o Papa Francisco tem prestado um mau serviço ao cristianismo, mas revê-se em João Paulo II. Em 2020, escreveu no Twitter que Deus lhe tinha confiado “a missão de transformar Portugal”. E para definir o seu modo de estar na vida, gosta de invocar São Paulo: ”Deus vomitará os mornos”.
Eu vejo a fé como São Paulo a vivia: ou é para sermos radicais ou não vale a pena. Talvez eu seja um pouco radical em tudo o que faço na vida. No futebol e na política sou uma pessoa de convicções muito fortes. E acho que, de alguma forma, Deus me ajudou a perceber isso. (Revelou numa entrevista ao jornal Sol)
O sucesso na Academia
Licenciou-se em Direito na Universidade Nova de Lisboa com 19 valores. Foi um aluno brilhante, o que mais tarde lhe valeu um lugar na Autoridade Tributária das Finanças, entidade que deixou em 2014 quando pediu uma licença sem vencimento.
Prosseguiu para o Doutoramento em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Cork, na Irlanda. A tese, concluída em 2013, criticava o “populismo penal” e a “estigmatização de minorias” – duas ideias que são a antítese do que agora defende.
Nesse ano começou a lecionar na Universidade Autónoma de Lisboa, na qual permaneceu até 2019, e depois na Universidade Nova de Lisboa, até 2018. Fazia comentário futebolístico na CMTV e mantinha a atividade política no PSD ao mesmo tempo que dava aulas. Mas, na sala de aula, só havia espaço para falar de leis e não de ideologias políticas. Já nos intervalos os alunos procuravam-no para falar sobre o programa de futebol.
Do PSD ao Chega o caminho fez-se rápido
No meio da aparente calmaria, Ventura dá o primeiro grande passo no PSD. Encabeçou a lista candidata à Câmara Municipal de Loures, numa coligação com o CDS. Levava para o debate ideias arrojadas como, por exemplo, criar 10 mil postos de trabalho e arrancar todos os parquímetros do concelho, um por um.
Numa entrevista ao jornal I, em julho de 2017, declarou: “Os ciganos vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado”, abrindo a porta a uma luta que trava até hoje. Defendeu ainda, nessa entrevista, a prisão perpétua para certos tipos de crimes, como é o caso de “terroristas perigosíssimos”.
O que acontece hoje em Portugal é que, no máximo, terá 25 anos de pena, que na verdade nunca serão 25 anos. Começa a chegar ao fim da pena, 21, 22, e o terrorista diz: ‘Quando eu sair vou matar mais gente’. Sabe o que acontece? Ele tem de sair na mesma porque cumpriu a pena e o sistema não permite alargá-la.
Perdeu a Câmara de Loures, mas conseguiu um lugar como vereador, que ocupou por pouco tempo. Em 2018, entrou em rota de colisão com a liderança de Rui Rio e criou o movimento “Chega!” dentro do partido, prometendo recolher 2.500 assinaturas numa semana. Ao longo do processo, a Câmara de Loures decidiu demarcar-se da iniciativa do vereador e Ventura acabou por renunciar ao cargo.
Inspirado pelo movimento que criara contra Rio, avançou com a fundação do seu próprio partido. Recolheu assinaturas em tempo recorde, num processo que viria a gerar polémica. No meio de milhares de nomes surgiram centenas de assinaturas inválidas – de pessoas já mortas ou menores de idade. Entretanto, outras centenas foram submetidas e validadas pelo Tribunal Constitucional. E, assim, nasce o Chega a 19 de abril de 2019.
Anunciou-se como um candidato anti-sistema, apesar de ter crescido politicamente no seio de um dos grandes partidos do sistema. Até hoje, tem Francisco Sá Carneiro, fundador do PSD, como um ídolo.
Sem perder tempo, candidatou-se às eleições europeias em maio de 2019, como cabeça de lista da coligação Basta!, integrada pelo Chega, pelo Partido Popular Monárquico e pelo Partido Cidadania e Democracia Cristã, mas não conseguiu um lugar no Parlamento Europeu.
Em apenas cinco meses, o Chega cresceu o suficiente para conquistar um lugar na Assembleia da República. O partido arrecadou 1,29% dos votos nas eleições legislativas, em outubro de 2019. André Ventura chegou ao Parlamento menos de um ano depois da fundação do partido e sentou-se no lugar mais à direita do hemiciclo.
Um ano depois, o Chega elegeu dois deputados nos Açores e assinou um acordo com entre PSD, CDS e PPM para suportar o Governo Regional. Em 2021, o Chega candidatou-se, pela primeira vez, às autárquicas. O partido conseguiu 4,16% dos votos, um resultado acima do Bloco de Esquerda e do CDS.
O Chega é ou não um partido de extrema-direita?
Ventura não considera o Chega um partido de extrema-direita, uma vez que é “europeísta e acredita na liberdade”. Mas a discussão não fica por aqui. Quando André Ventura conseguiu um lugar no Parlamento, noticiava-se a chegada da extrema-direita a Portugal. E, por mais que se queira distanciar do “rótulo”, as amizades que nutre com políticos europeus da extrema-direita denunciam a simpatia por determinadas ideologias.
Marine Le Pen, líder da União Nacional francesa, é uma dessas figuras. Em plena campanha das eleições presidenciais, nas quais Ventura foi candidato, viajou até Portugal para o apoiar. Numa conferência de imprensa conjunta, o líder do Chega voltou a frisar: “Nós não somos de extrema-direita”.
Em 2017, José Pinto Coelho, líder do PNR, chamou a Ventura “um dos seus” e, mais tarde, acusou-o de copiar o programa do Partido Nacional Renovador, uma formação de extrema-direita assumida.
Repudio veementemente o apoio da extrema-direita”, disse na altura André Ventura, definindo o PNR como um partido de caráter “extremista, racista e xenófobo.
A intolerância em relação aos ciganos e a condenação por segregação racial
A comunidade cigana é uma das mais visadas por André Ventura, que defende que Portugal é “demasiado tolerante com algumas minorias”.
Dizem-me muitas vezes: ‘Se os tira de casa, eles vão acampar para o meio da rua ou para a porta da câmara municipal.’ É preciso esclarecer o seguinte: o Estado de direito não pode ter medo de grupo nenhum nem de minorias nenhumas, tem de estar acima de tudo. As pessoas ditas “normais” ou da “maioria”, se não pagarem a sua casa ou a sua renda, não são despejadas?. (Questionou numa entrevista ao jornal I.)
O discurso do líder do Chega contra a comunidade cigana foi-se agravando ao longo do tempo. Publicações no Twitter, onde dizia que quase 90% da comunidade cigana vivia de ‘outras coisas’ que não o seu próprio trabalho, valeram-lhe multas aplicadas pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial.
Em maio de 2020, na sequência da pandemia de covid-19, chegou a propor um “plano de confinamento específico para a comunidade cigana”. Indignado com a proposta de Ventura, o futebolista Ricardo Quaresma disse que o discurso do líder do Chega era racista. No seguimento da polémica, André Ventura foi dispensado da CMTV.
Em dezembro passado, foi condenado por por segregação racial por chamar “bandidos” a membros de uma família do Bairro da Jamaica, no Seixal, num debate das presidenciais.
O homem que vai a todas
Depois de se candidatar às eleições europeias, apresentou-se como candidato nas legislativas, – onde conseguiu a sua primeira vitória, um lugar no Parlamento – às eleições presidenciais e agora às legislativas antecipadas.
Pelo caminho, Ventura demitiu-se várias vezes da liderança do partido. Na sequência de conflitos internos, demitiu-se da liderança do partido em abril de 2020. Porém, no vídeo em que anunciou a sua demissão aproveitou para lançar também a sua recandidatura. Pouco ou nada mudou no partido. No início de setembro foi reeleito, com 99,1% dos votos.
Mas foi na Convenção Nacional do Chega desse ano, em Évora, que os militantes lhe trocaram as voltas ao chumbarem a sua lista para a direção por duas vezes. Foi ao palco assumir o fracasso e até chorou, quando se viu na iminência de ter sair do partido que fundou.
Em 2021, voltou a demitir-se da liderança depois de ter perdido as presidenciais para Marcelo Rebelo de Sousa e de não ter conseguido alcançar o objetivo de ultrapassar Ana Gomes na corrida a Belém. Mesmo assim, conquistou mais de 11% dos votos, uma subida de 10% em relação às legislativas de 2019.
As últimas sondagens têm colocado o Chega em terceiro lugar, com cerca de 10% dos votos. Ventura poderá cumprir o objetivo de se tornar a terceira força política no Parlamento, ultrapassando o Bloco de Esquerda.
Caso estes resultados se confirmem nas urnas, André Ventura poderá apoiar ou até integrar um Governo de direita. O líder do PSD, Rui Rio, não fechou a porta a um entendimento, apesar de preferir alinhar-se com o CDS e Iniciativa Liberal. Embora os cenários de governabilidade sejam incertos, uma coisa é certa: o Chega vai reforçar a presença no Parlamento e poderá ter uma palavra a dizer na governação do país.