O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem sido um dos rostos mais vísiveis em defesa do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da infeção por coronavírus.
Apesar de nenhum medicamento ter sido ainda aprovado pelas autoridades farmacêuticas norte-americanas, a urgência ditada pela pandemia acabou por levar a uma autorização das duas substâncias para tratar pacientes hospitalizados com a Covid-19.
"Num mundo melhor, se não estivéssemos em pânico com este vírus, esperaríamos e veríamos se o medicamento tinha algum valor, independemente do presidente declarar que tem", admitiu Paul Offit, diretor do Centro de Educação sobre Vacinas e médico assistente na Divisão de Doenças Infecciosas do Hospital Infantil da Filadélfia.
Apesar de serem semelhantes, a hidroxicloroquina é considerada um derivado menos tóxico da cloroquina e, por isso, tem sido usada para o tratamento de doenças como o lúpus e outras. "É muito mais segura", garante William Schaffner, professor de medicina preventiva e doenças infecciosas da Escola de Medicina da Universidade Vanderbilt, em Nashville. Ainda assim, o médico reconhece que "há uma preocupação residual" com o uso da substância.
Uma opinião que não é consensual.
A CNN cita, esta semana, um relatório do Pentágono, escrito e divulgado em Março por uma equipa de médicos militares, onde pode ler-se que não há atualmente "nenhuma evidência de alta qualidade que sustente o uso".
O documento, com 51 páginas de boas práticas, alerta ainda para os possíveis efeitos colaterais tóxicos dos medicamentos, que podem levar a complicações cardíacas.
Mortes no Brasil determinaram fim do estudo sobre a substância
Depois da morte de vários pacientes de Covid-19, que estavam a ser tratados com difosato de cloroquina, como parte de estudo preliminar, os responsáveis acabaram por concluir que que uma alta dose do medicamento estava associada a um tipo grave de arritmia, ou a um batimento cardíaco irregular.
O estudo, que abrangia 81 pacientes hospitalizados com síndrome respiratória grave, acabou por ser interrompido ao sexto dia, depois de 16 pacientes acabarem por morrer.
As vítimas faziam parte do grupo de 41 doentes que estava a receber uma alta dosagem diária de cloroquina. Entre os que recebiam uma dose menor, a taxa de mortalidade foi consideravelmente inferior. Morreram 6 em 40 pacientes.
Marcus Lacerda, principal investigador do grupo, explicou à CNN que "os pacientes também estavam a ser medicados com azitromicina e oseltamivir, que também são drogas cardiotóxicas".
Sem certezas sobre a ligação da cloroquina às mortes, o Conselho de Segurança e Monitoramento de Dados do estudo "recomendou a interrupção imediata da administração da dose alta, e todos os pacientes passaram a ser medicados com a dose baixa", pode ler-se no estudo pré-impresso.
Nesta versão do documento, os cientístas concluíram ainda que, além da medicação não ter revelado "aparentes benefícios" contra a Covid-19, houve pelo menos dois pacientes, no grupo de doses altas, que desenvolveram taquicardia ventricular , um tipo de arritmia que pode levar à morte cardíaca súbita.
O mesmo não aconteceu com nenhum dos pacientes a receber uma baixa dosagem de cloroquina.
A conclusão desta pesquisa aponta para o facto de que, embora o medicamento tenha sido usado com segurança, por mais de 70 anos, para a malária , usá-lo em altas doses para tratar o Covid-19 "pode ser tóxico".
Hospitais suecos receberam orientações para não usar cloroquina no Covid-19
"Considerando a muito baixa evidência de qualquer efeito significativo sobre o Covid-19 e como os efeitos colaterais sérios não podem ser descartados, o uso de cloroquina fora dos ensaios clínicos não é recomendado". Foi o que foi dito aos médicos suecos.
Magnus Gisslén, professor e médico do Hospital Universitário Sahlgrenska em Gotemburgo, Suécia, disse à CNN, na semana passada, que a orientação também se aplica à hidroxicloroquina.
"Recomendamos que todos os hospitais de nossa região parem de usá-lo. Acho que quase todos os hospitais do país pararam de usá-lo", afirmou. Gisslén e os colegas relatam ter visto "um efeito sério no coração" associado ao uso do medicamento. E os problemas, acrescentou, afectaram também os pacientes com funçãorenal baixa.
Ulla Wändel Liminga, diretora científica de farmacovigilância da Agência Sueca de Produtos Médicos, explica que, embora a agência não tenha emitido orientações específicas sobre os medicamentos, "o uso de cloroquina e hidrocloroquina deve ser usado apenas em ensaios clínicos em pacientes Covid-19."
Só na semana passada, Liminga afirma ter contado cerca de cinco relatos de incidentes de efeitos colaterais graves em pacientes Covid-19 na Suécia.