Coronavírus

"Panelas comuns" reaparecem no Chile devido à pandemia do coronavírus

Este é um símbolo de pobreza dos tempos do ex-presidente Pinochet.

"Panelas comuns" reaparecem no Chile devido à pandemia do coronavírus
Esteban Felix

A crise económica provocada pela pandemia da covid-19 fez ressurgir imagens dos tempos ditatoriais no Chile, com milhares de pessoas de bairros sociais a alimentam-se graças à "panela comum", símbolo da fome e pobreza que assombram novamente o país.

Nos arredores de Santiago, este tipo de ajuda multiplicou-se nas últimas semanas, à medida que mais famílias ficaram sem rendimentos após o encerramento de comércios, obras de construção e a extensão da quarentena obrigatória, segundo testemunhou uma reportagem realizada pela agência espanhola Efe.

No imaginário popular chileno, a "memória mais imediata" das "panelas comuns" remonta à crise que atingiu o país a partir de 1982, sob a liderança da junta militar de Augusto Pinochet (1973-1990), explicou á agência Efe o sociólogo da Universidade do Chile Nicolás Angelcos, na terça-feira.

Apesar de as "panelas comuns" terem surgido no Chile após a crise de 1929, foi durante os anos 1980 que foram criadas centenas de organizações para "enfrentar coletivamente a pobreza", prosseguiu.

O também investigador da Universidade Andrés Bello ressalvou que essa iniciativa permitiu a "participação ativa" das mulheres fora de casa, facilitando a formação de líderes sociais e a politização de muitas povoações que mais tarde se tornaram "espaços de resistência contra a ditadura".

"É uma iniciativa que está diretamente relacionada com a autogestão, solidariedade e dignidade. Anos depois, com a explosão social, começaram a reaparecer em alguns bairros periféricos, alguns dos quais já eram emblemáticos durante a ditadura", assinalou Angelcos.

Para o investigador, o reaparecimento das "panelas comuns" não é apenas um indicador de pobreza, mas evidenciam também algo mais profundo.

"É a prova do fracasso ou da ineficiência de um modelo de proteção oficial que ainda resiste a políticas de bem-estar de longo alcance e longo prazo", concluiu.

Pandemia eleva desemprego no Chile até aos 8,2%

A pandemia da covid-19 elevou o desemprego no Chile até aos 8,2% no primeiro trimestre de 2020, o valor mais alto numa década, e a Comissão Económica para a América Latina e o Caribe estima que a economia chilena caia cerca de 4% este ano e a pobreza poderá aumentar até 13,7%.

Quase 40 anos depois, em Puente Alto, uma das zonas mais pobres da região metropolitana, Susana Castillo, dirigente da comunidade do bairro Marta Brunet, prepara 250 porções de arroz com frango, juntamente com três vizinhas.

"Estão sempre a aparecer mais famílias, sobretudo agora que nos estenderam a quarentena. Há cada vez mais gente a ficar sem trabalho", relatou Castillo.

Este é um dos 14 pontos que, com a ajuda do município de Puente Alto, entrega comida a cerca de 5.000 moradores, dando prioridade aos idosos, incapacitados e a famílias numerosas.

A comuna é a segunda localidade do Chile com maior número de casos do coronavírus (1658), atrás apenas da capital Santiago (1873), segundo os dados de 10 de maio, do ministério da Saúde.

Alina Sandoval, coordenadora da Assembleia de Organizações Sociais e Políticas da Província de Cordillera, que fornece mantimentos a quase mil pessoas todos os dias, recordou em declarações à Efe que depois do terramoto de 2010, as "panelas comuns" reapareceram durante uma ou duas semanas, mas que agora vai ser necessária uma "organização muito maior".

"Isto vai continuar durante muito tempo. Tornamo-nos em cadeias de solidariedade, recebemos desde um quilo de batatas a 10 quilos de massa. Só o povo ajuda o povo", finalizou.

Chile regista mais de 300 mortes por covid-19

O Chile regista 31.721 casos confirmados do novo coronavírus e 335 mortes (uma taxa de 1,72 por 100 mil habitantes).

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 292 mil mortos e infetou mais de 4,2 milhões de pessoas em 195 países e territórios.

Mais de 1,4 milhões de doentes foram considerados curados.